O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Benjamin Zymler destacou, na tarde da última quarta-feira (24/4), que a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLLC) — Lei 14.133/2021 — tornou mais elástica a vigência dos contratos celebrados com a Administração Pública, o que geralmente implica em pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro e em alteração de objeto. A abordagem foi feita durante a conferência magna, proferida no 2º Congresso de Direito Administrativo Contemporâneo, na sede do Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC), em Florianópolis.
Ao discorrer sobre o tema “Tribunais de Contas e a consensualidade na NLLC”, Zymler ressaltou a dificuldade de serem previstos todos os riscos em um contrato de longo prazo, como os de concessão, o que leva à necessidade da busca por soluções consensuais. “O que acontece em 10, 15, 20 anos é insuscetível de ser prognosticado no momento original da assinatura do contrato”, afirmou.
Segundo ele, a pactuação, que estabelece quem assume as consequências de determinados riscos, é insuficiente para lidar com o mundo real. “Se eu for falar da pandemia [de Covid-19], que matriz de risco a gente pode lidar com o que ocorreu com as concessões aeroportuárias? O concessionário vai assumir o risco de uma demanda zero? Isso é razoável?”, indagou.
Ele mencionou que, no dia a dia, é praticamente impossível o Estado deduzir quando se dará o reequilíbrio econômico-financeiro, que nasce quando uma empresa consome, pelo aumento do custo de sua operação, todo o seu lucro operacional. “Não há regra matemática que possa conceber todas as possibilidades existentes. Daí surge a ideia de que, nos casos de contratos de elevada complexidade, que lidam com recursos vultosos, não há alternativa para o Estado brasileiro senão percorrer o caminho da consensualidade administrativa”, disse.
Durante a sua exposição, o ministro salientou que os gestores têm receio de resolver tais conflitos, por via administrativa, por causa das punições das esferas de controle, do Tribunal de Contas, do Ministério Público. “Então, o medo dos gestores de decidir por um pedido de reequilíbrio formulado pela empresa leva à judicialização, o pior dos mundos, nesse mundo de conflitos de grande porte”, assinalou, ao pontuar que o “Judiciário brasileiro não está instrumentalizado para resolver questões desse tipo, questões extremamente complexas que necessitam de avaliações técnicas detalhadas”.
Experiência do TCU
Na oportunidade, Zymler falou sobre a experiência do Tribunal de Contas da União na busca da consensualidade para a resolução dos conflitos. Ele relatou o trabalho desenvolvido pela Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso), criada na presidência do ministro Bruno Dantas, que permite que uma autoridade competente demande, ao TCU, a análise de alguma solução de tratativa para resolver um conflito.
Explicou que, como resultado, é firmado um termo de compromisso para a busca de solução por meio do consenso, que deverá atender aos interesses do Estado e da empresa concedente. Esclareceu que o documento é subscrito pelos gestores públicos e pelo Tribunal, que se compromete em não efetuar punição e em arquivar os processos relacionados ao objeto do termo de compromisso. “Isso fornece às partes segurança jurídica e econômica”, garantiu.
Para o ministro Benjamin Zymler, o interesse público é também resolver conflitos, é superar paralisações na administração pública, em decorrência desses conflitos que não são resolvidos. “Ninguém pode tomar a si a tarefa genial de dizer que o interesse público vai ser revelado pelo sábio ministro do TCU. O interesse público nasce no fundo desse processo dialético de contraposições de interesse de todos os que participam do processo”, pontuou.
Como relator de quatro processos na área de energia, para contratação de usinas térmicas a gás no momento da crise hidrológica, em 2021, ele citou a tentativa de se parametrizar as vantagens recíprocas, de buscar o caráter comutativo sinalagmático do termo de compromisso. “Isso foi feito e gerou uma economia da ordem de R$ 2 bilhões para os usuários de energia elétrica. Claro que as empresas se beneficiaram, que a grande parte delas é inadimplente, ou seja, deveria ser punida, de ter a rescisão do contrato”, comentou. “Mas a vantajosidade com o termo de compromisso era suficiente para fazer frente a esses cenários”, enfatizou, ao informar que, em apenas um processo, o TCU não ratificou o documento.
O evento
O 2º Congresso de Direito Administrativo Contemporâneo reuniu cerca de 400 pessoas no Tribunal de Contas de Santa Catarina nos dias 26, 27 e 28 de abril. Com a coordenação científica do corregedor-geral do TCE/SC e vice-presidente de Relações Internacionais da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Júnior, e do advogado e professor Noel Baratieri, a programação do evento contempla abordagens por renomados especialistas, que irão analisar e debater os impactos causados pelas inovações e pelas mudanças legislativas na administração pública direta e indireta.
“Tem ficado cada vez mais claro, para os integrantes dos Tribunais de Contas, que exercemos nossas atividades a partir das necessidades da sociedade a quem servimos”, disse Adircélio – antes, na abertura, o conselheiro havia ressaltado o trabalho da Atricon e, em especial, do presidente, Edilson Silva (TCE/RO), no entendimento sobre a atuação dos tribunais como cortes de governança pública.
No encontro foram abordados temas relacionados a contratos administrativos; a programas de integridade; a normas de conduta de agentes públicos; à improbidade administrativa; à regulação de serviços públicos; a consensualismo e infraestrutura de serviços públicos; à administração pública e sustentabilidade; à licitação pública; e à formulação, implementação e controle de políticas públicas.