Inaldo da Paixão
Palavras guardam histórias. Essa percepção me veio desde muito cedo, enquanto ouvia a conversa dos mais antigos, principalmente quando falavam da origem dos verbetes, assunto que os especialistas na língua costumam tratar por etimologia. Sim, as palavras estão enraizadas nos seus idiomas maternos e, no caso do português do Brasil, suas origens desvendam as muitas camadas do rico ‘Latim em pó’. No caso deste artigo, uma homenagem que faço aos 55 anos de fundação do primeiro jornal off-set do Brasil, a palavra escolhida é Tribuna.
Tenho uma certa intimidade curiosa com essa palavra não apenas por atuar como conselheiro do Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE-BA), mas também por entender que o seu significado está fundado nos ideais democráticos. Segundo a explicação do dicionário, trata-se do lugar elevado de onde os oradores falam, de onde se argumenta com a finalidade de buscar a verdade.
Palavras guardam memórias. E nesse mister é notório que a Tribuna da Bahia tem se empenhado para levar aos seus leitores informação de qualidade há mais de cinco décadas. Fundado em 1969 pelo jornalista e empresário Elmano Silveira Castro, o jornal surgiu no momento em que o contexto político e histórico do Brasil refletia a face dos anos de chumbo. Como entusiasta da imprensa livre, que busca a clareza dos fatos para bem informar os cidadãos, fiz a minha breve pesquisa para levantar o que estava acontecendo no ano de fundação da Tribuna da Bahia. Eu era um garoto de apenas 5 anos de idade em 1969. Não amava nem conhecia direito os Beatles e os Rolling Stones. Mas tempos depois, já com uma consciência crítica mais madura, a face obscura do golpe militar me chegava por meio dos jornais, a principal fonte de pesquisa dos estudantes à época, além dos livros e das enciclopédias.
Mergulhando hoje na biblioteca cibernética, informo-me de que, no quinto ano após o golpe, o país fervilhava na onda da repressão. As manchetes dos jornais nacionais, entre eles a Tribuna, estampavam o clima de medo: a ditadura edita um novo Ato Institucional, o sétimo, suspendendo as eleições programadas. E depois tantos outros atos institucionais, eliminando o que restava de lei e de direito no país. O embaixador dos Estados Unidos, Charles Burke Elbrick, é sequestrado numa ação conjunta da Ação de Libertação Nacional (ALN) com o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e trocado por 15 presos políticos. Cem físicos da Sociedade Brasileira de Física (SBF) dirigem um protesto ao CNPq contra as cassações de cientistas, impedidos de obterem o grau de mestre e doutor. Sem dúvida, um período difícil, em que vários jornais foram amordaçados pela censura, tantos outros fechados, tendo jornalistas presos, perseguidos, torturados e mortos. Tempos trevosos, tempos que não podem ser esquecidos, tempos que não podem voltar. Eu tinha apenas 5 anos quando a Tribuna imprimiu a sua primeira edição e só tomaria consciência dessa situação bem mais tarde.
Palavras guardam afetos. Partindo dessa reflexão, tenho a grande satisfação de firmar uma forte parceria com a Tribuna, que, de forma generosa, concede-me espaço, sempre às segundas, para a publicação de artigos técnicos do nosso TCE/BA e de crônicas diversas de minha autoria. Durante todo esse tempo, tenho aprendido e me aperfeiçoado muito com a experiência de escrever e, ainda, de ler os conteúdos publicados neste importante jornal, que agora adota novas plataformas tecnológicas, a exemplo do videocast Multiálogos, no qual especialistas em diversas áreas nos brindam com entrevistas sobre variados temas de suas especialidades. Vale destacar que, ao longo desses 55 anos, este prestimoso periódico se consolidou com valorosas parcerias voltadas à temática da educação. Uma delas foi a publicação de matérias na ocasião dos 100 anos de falecimento de Ruy Barbosa, em 1º de março de 2023, em uma campanha capitaneada pela Associação Bahiana de Imprensa (ABI), com a grande colaboração do Instituto Rui Barbosa (IRB) e do diretor-presidente da Tribuna, meu amigo Walter Pinheiro.
Palavras não bastam. Assim começa a bela canção “A Noite”, gravada por Tiê, em uma releitura de “La notte”, cantada pela italiana Arisa e composta por Giuseppe Anastasi. Contudo para a nossa eterna Tribuna bastam sim!
Palavras guardam esperança. É sempre tempo de esperançar. Claro, porque o caminho do trabalho duro é quase sempre longo e exige, além de esforço, muita perseverança. Desde minha tenra idade, quando tive contato com o álbum de figurinhas “O Porquê das Coisas/1971” – memorável publicação da Editorial Bruguera – não parei de alimentar a paixão pelas palavras. Era um álbum de perguntas e respostas que aguçavam a nossa curiosidade com assuntos científicos. Com a atenção voltada para os cromos coloridos, logo senti que as palavras fariam parte de minha vida de uma forma intensa. A necessidade de escrever veio desembocar, mais tarde, na publicação de artigos em jornais de folhas. Devo reconhecer que, nesse aspecto, a Tribuna, ao proporcionar a minha convivência com um meio tão profícuo como o do jornalismo, muito contribuiu e continua a contribuir com o meu aperfeiçoamento como conselheiro e professor universitário. Parabéns à Tribuna da Bahia e a todos os seus profissionais pelos 55 anos de construção da boa informação. Desejo-lhes que este espaço de comunicação seja a verdadeira Tribuna dos cidadãos, com palavras e matérias que promovam a dignidade humana e garantam o Estado Democrático de Direito.
Inaldo da Paixão Santos Araújo é mestre em Contabilidade, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado da Bahia, professor da Universidade do Estado da Bahia, vice-presidente de auditoria do Instituto Rui Barbosa, escritor.