Torre de Babel e a fiscalização pública: linguagem, controle e transparência

Edilson Silva

Em um mundo repleto de complexidade e comunicação acelerada, o conceito de linguagem simples surge como ferramenta essencial para desenvolver um entendimento mais amplo e inclusivo. A metáfora da Torre de Babel oferece um elo simbólico entre a tentativa humana de dominar o conhecimento e as barreiras que esse conhecimento impõe à sua compreensão.

A passagem bíblica da Torre de Babel narra a história de um povo que, após o dilúvio, decidiu construir uma torre que alcançasse os céus. Motivados pelo desejo de criar um nome poderoso e alcançar a notoriedade e imortalidade, eles utilizaram tijolos e betume para erguer uma estrutura imponente. No entanto, Deus, ao observar a ambição desmedida, confundiu suas línguas, dispersando-os pela Terra e interrompendo a construção.

Assim como essa iniciativa utópica resultou em confusão linguística e dispersão, o uso excessivo de tecnicismo e expressões rebuscadas (juridiquês) pelas entidades da administração pública pode gerar uma “dispersão” dentro de um mesmo país. Esse distanciamento não é físico, mas social e informativo, criando divisões e distanciamento entre especialistas e a população em geral. A consequência é a ausência de compreensão plena das normas, pareceres e decisões estatais que deveriam servir ao bem coletivo.

Nesse contexto, a missão institucional dos Tribunais de Contas de promover a transparência, o controle social e a cidadania pode ser vista como uma tentativa de “reconstruir a torre”, de forma que permita a comunicação acessível a todos.

A Nota Recomendatória 04/2023, publicada pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) e acolhida pelos Tribunais de Contas das unidades federativas, aborda a necessidade de simplificação do discurso público. Ela enfatiza a importância da linguagem simples e acessível para promover a inclusão, especialmente em um contexto jurídico e técnico. O propósito é apresentar o conteúdo jurídico ou tecnicamente complexo de forma compreensível para qualquer cidadão independentemente de sua formação acadêmica ou nível de escolaridade.

A adoção da linguagem simples nos Tribunais de Contas não é apenas um ajuste estilístico. Trata-se de um movimento abrangente para garantir que informações públicas, essenciais para o exercício da cidadania e para o controle social, sejam acessíveis e compreensíveis para todos.

Este é um compromisso com a clareza, transparência e democratização da justiça. Isso é particularmente importante para os Tribunais de Contas, que desempenham importante missão na fiscalização da utilização dos recursos públicos e na garantia de que o dinheiro do contribuinte seja gasto de maneira eficiente e ética.

Entretanto, essa transição requer uma abordagem estruturada. A Atricon reconhece a importância da linguagem simples e sugere que os Tribunais de Contas adotem ações para institucionalizá-la, disseminá-la e incentivar o uso de ferramentas de comunicação acessíveis. Isso envolve a criação de guias, cartilhas, glossários e modelos de documentos simplificados.

A colaboração com laboratórios de inovação e áreas de comunicação social de cada tribunal, buscando soluções criativas e colaborativas para superar as barreiras linguísticas, é essencial. Esse é um processo de transformação precisa ser sustentado por capacitações constantes para preparar os servidores na adoção desse novo padrão.

A construção de uma linguagem compreendida por todos demanda a adoção do critério da alteridade republicana democrática de perguntar sempre: “Será que o outro, com sua experiência e seu contexto, compreendeu o que estou dizendo?”. Este questionamento, centrado no princípio da inclusão, é a chave para que possamos falar a mesma língua sem perder o conteúdo.

A adoção da linguagem simples pelas Cortes de Contas facilitará o entendimento de matérias complexas, tradicionalmente fora do alcance do cidadão comum. Ao simplificar esses conteúdos, promovemos um acesso mais democrático à informação e incentivamos a participação ativa na gestão pública. Este esforço favorece a aproximação das instituições à sociedade, fortalece a confiança pública.

A dispersão dos povos em Babel resultou na diversidade de culturas e línguas, algo que, em última análise, enriqueceu a humanidade. Da mesma forma, a diversidade de olhares e expertises dentro dos Tribunais de Contas – como auditores, juristas, economistas e técnicos de diversas áreas – permite uma fiscalização mais abrangente e eficaz. A multidisciplinaridade é essencial para enfrentar os desafios complexos da administração pública, entretanto, a falta de comunicação, seja pelo excesso de tecnicismo ou juridiquês, podem levar ao caos.

No contexto dos Tribunais de Contas, é fundamental que se construam pontes de diálogos entre o técnico e o cidadão, entre o jurídico e o prático, entre o Estado e a sociedade, e nesse sentido tem sido a incansável atuação da Atricon. A linguagem simples, a transparência e o sentido de unidade republicana são ferramentas poderosas para garantir que os recursos públicos sejam geridos com responsabilidade e que a confiança nas instituições seja preservada.

Em vez de torres que ninguém entende, estamos comprometidos com a construção de pontes que todos possam atravessar.

Edilson Silva é conselheiro do TCE-RO e presidente da Atricon

Artigo publicado originalmente no portal JOTA em 24.02.2025