Inaldo da Paixão e
Marco Antonio Carvalho Teixeira
Ciclos eleitorais importam muito para a democracia. Aliás, o sufrágio é um dos fundamentos da democracia. Mas temos que ter em mente, e com muita convicção, que a democracia não se esgota nas eleições. O processo eleitoral é o patamar inicial do ambiente democrático e o requisito básico para que o demos (povo) possa minimamente participar da cracia (governo). Complementam o sufrágio o papel das instituições inclusivas, como bem preconizou um dos ganhadores do Nobel de Economia de 2024, Daron Acemoglu, o controle mútuo entre os poderes, e a participação ativa da sociedade no controle público das atividades das autoridades que são remuneradas com dinheiro público para promover o bem comum.
Todavia, se a vida democrática se inicia com o processo eleitoral, ela não pode estar dissociada de ao menos outros três pilares fundamentais para a defesa das liberdades individuais e públicas: 1) instituições inclusivas sólidas e autônomas; 2) políticas de transparência governamental; e 3) controle social ativo. Apresentamos nosso pensar sobre cada um desses fatores na sequência.
As instituições inclusivas são imprescindíveis para impedir abusos no exercício do poder. O que seria de um país em que o presidente da República, os governadores de estado e os prefeitos decidissem sozinhos como e onde deveriam gastar o dinheiro público? Certamente viveríamos uma situação em que poucos seriam os privilegiados, sobretudo os amigos do governante de plantão, e muitos seriam excluídos das ações governamentais. É para evitar isso que existe o Parlamento, cuja função precípua é discutir e aprovar o orçamento público junto com a sociedade por meio de audiências públicas para que tal proposta orçamentária esteja o mais próximo possível dos anseios sociais.
Uma vez aprovado, o mesmo Legislativo, juntamente com outras instituições inclusivas como controladorias e Tribunais de Contas (agora considerados constitucionalmente como essenciais e permanentes), analisam as receitas e suas renúncias, examinam os gastos e podem aprovar ou reprovar contratos, avaliar resultados de políticas públicas, assim como emitir pareceres acerca da execução orçamentária. Ou seja, nenhum governante pode gastar como quer ou sem fazer a devida prestação de contas sob pena de ser responsabilizado com a perda do mandato e processado criminalmente conforme a tipificação do delito. São as instituições, com base em regras preestabelecidas, que monitoram esse processo em busca de zelar pelo interesse público, agindo com autonomia.
Entretanto um ator crucial nesse processo, que é a quem o dinheiro público deve beneficiar, é a sociedade. Não por outra razão – e é importante que se registre – o parágrafo único do art. 193 da Constituição Federal estabelece que: “O Estado exercerá a função de planejamento das políticas sociais, assegurada, na forma da lei, a participação da sociedade nos processos de formulação, de monitoramento, de controle e de avaliação dessas políticas”. Onde as organizações da sociedade podem atuar na fiscalização do dinheiro público? Primeiro, é imprescindível que a informação sobre a alocação de recursos esteja disponível publicamente e compreensível, que ela não tenha um linguajar meramente técnico, para que o cidadão possa compreender o que está sendo informado, avaliar e tomar alguma decisão sobre concordar ou não concordar com tal gasto.
Mas, se o cidadão tem queixa, não concorda com o que está sendo informado e tem algum tipo de denúncia a fazer, onde recorrer? Aqui a temática volta novamente ao papel das instituições. Como são elas que investigam, cobram responsabilidades e punem, quanto mais os cidadãos demandá-las melhor. Para isso, muitas contam com ouvidorias, tanto presenciais como remotas, as quais têm sido importantes espaços de controle social sobre atividades governamentais. A democracia se fortalece nesse entrelaçamento de instituições e sociedade, entre governos e cidadãos, pactuados para a realização e a defesa do bem comum. Quanto mais participação social, menos patrimonialismo. Quanto mais as instituições inclusivas se fortalecem em torno da democracia e da defesa do interesse público, priorizando os que mais precisam, menor a possibilidade de abusos de poder. As instituições não existem para perseguir esse ou aquele líder político. Preservar a democracia, valorizar a transparência, zelar pela boa alocação do dinheiro público e conter abusos de poder são suas atribuições fundamentais, independentemente da importância da autoridade que esteja sendo questionada em seus atos.
Inaldo da Paixão e conselheiro do TCE-BA e vice-presidente de Auditoria do IRB
Marco Antonio Carvalho Teixeira é professor e coordenador do Programa de Mestrado e Doutorado Profissional em Gestão e Políticas Públicas da FGV