Valdecir Pascoal
Após contextualizar a atual crise das democracias, reflito agora sobre os antídotos que os Tribunais de Contas (TCs) podem oferecer para ajudar a mitigá-la.
É certo que o papel constitucional desses órgãos é amplo e, a rigor, todas as suas atribuições podem colaborar no esforço para restaurar a confiança na Democracia e em suas Instituições. Todavia, mirando as singularidades trazidas pela Era Digital e levando em conta o tamanho das desigualdades no Brasil, enfatizei a competência dos TCs para avaliar a eficiência e os resultados das políticas públicas. Dentre elas, destaquei áreas como educação, saúde, assistência social, segurança pública, meio ambiente, infraestrutura, ciência e tecnologia. Ressaltei, ainda, o desafio desses órgãos de instituírem uma estratégia de comunicação efetiva, que, além de explicar o seu papel, demonstre para o cidadão os reais impactos das ações de controle em suas vidas.
>> Leia a primeira parte do artigo: Borboletas e Galos tecendo a Democracia – Parte 1
No caso das políticas públicas, seu controle constitui uma atribuição já prevista na CF, que confere aos TCs o exame da legalidade, eficiência, legitimidade, economicidade e do aspecto operacional da gestão. A sabedoria do constituinte foi ter preservado a tradicional análise da conformidade dos gastos e, inspirado no modelo anglo-saxão, inserido, com igual relevância, o controle da sua eficiência. Somam-se, a esse comando legal, as diretrizes emanadas de entidades representativas do controle externo nacional e internacional, como a Atricon, o IRB e a INTOSAI. Nesse contexto, merece destaque a emblemática “Declaração de Moscou” (INCOSAI, 2019), que, entre outras diretrizes para o controle externo do futuro, destacou a avaliação de políticas públicas focada na Agenda 2030 da ONU.
A título de exemplo, já que essa atuação vem sendo uma tônica dos TCs do país, realcei algumas ações do TCE-PE nos últimos anos, começando pela adequação da estrutura organizacional, com a criação de gerências especializadas; o reforço da capacitação técnica dos servidores e membros; a aproximação maior com a academia; e o aprimoramento do diálogo com os gestores. Resultados desse processo? Uma intensa atuação por meio de: (a) levantamentos periódicos em áreas como primeira infância, transporte e infraestrutura escolar, alfabetização, vacinação, lixões, desertificação, segurança pública e obras inacabadas; (b) realização de acordos com os gestores (TAGs); e (c) instauração de auditorias operacionais para verificar o desempenho e a eficiência dos procedimentos e métodos usados pela administração.
O estado da arte no TCE-PE ainda impõe desafios. Um deles é ir além da auditoria operacional e passar a atuar de uma forma mais ampla, avaliando, sob a perspectiva do controle, a utilidade e os impactos socioeconômicos das políticas públicas em todo o seu ciclo, desde a formulação e implementação, até a avaliação pela gestão. A despesa (ou a renúncia de receita) pode estar em conformidade com as normas, ter sido realizada eficientemente, mas o mais importante é saber se ela é legítima e se está resolvendo o problema a que se propôs, melhorando a vida das pessoas. Um outro desafio é observar as limitações do controle exercido pelos TCs. O princípio é respeitar ao máximo as escolhas feitas pelos eleitos e estabelecer com os gestores um ambiente dialógico (não sancionador), a partir de determinações, recomendações e consensos para aprimorar as políticas.
Em seguida, apresentei o segundo antídoto a ser utilizado pelos TCs para qualificar a democracia. Num contexto em que predomina a desinformação (mentiras deliberadas), especialmente as propagadas pelas mídias digitais enviesadas, aperfeiçoar os canais de comunicação desses órgãos é essencial. Com esse propósito, o TCE-PE aderiu ao movimento pela linguagem simples, buscando facilitar a compreensão dos documentos de gestão, despachos, pareceres, relatórios, decisões e notícias. Criou uma área específica no site do órgão para combater desinformações. Além disso, busca fortalecer a relação com a imprensa profissional, parceria de primeira ordem, com vistas a prestar contas da sua atuação para a sociedade.
A crise é profunda e sistêmica, mas os TCs têm um papel crucial na defesa do regime democrático. Reitero: ao focar o controle da eficiência das políticas públicas e buscar uma comunicação mais clara e direta com a sociedade, essas instituições ajudam a construir um ambiente de maior transparência, racionalidade e confiança.
O ouvinte de lá e o leitor de cá podem ceticamente dizer que um TC só não faz democracia. Devo ser mais otimista. Recorro à metáfora do “Efeito Borboleta”, de Edward Lorenz: um simples bater de asas de uma borboleta na Ásia pode desencadear um vigoroso efeito sísmico na América.
Finalizei, numa licença poética, imaginando esse “bater de asas” de cada TC sendo ecoado mundo afora pelos gritos solidários dos “Galos” madrugadores do nosso poeta João Cabral, ajudados pelo lendário “Galo de Barcelos”, símbolo da bela Terrinha, que mostrou ser íntimo do sagrado e amigo da sorte.
Tecer a Democracia é preciso. Todas as manhãs!
Valdecir Pascoal é presidente do TCE-PE
* Artigo originalmente publicado no Jornal do Commércio