Contas em números

Inaldo da Paixão

Como contador, gosto de números. Mas já confessei que, ao escolher a Contabilidade como messe, tinha a tola compreensão de que essa ciência do patrimônio era apenas a “habilidade de se fazer contas”.

Aprendi com o físico e engenheiro britânico Lord Kelvin que, se você não consegue representar algo por meio de números, é porque talvez não tenha a real compreensão do que seja esse algo. De fato, corroboro o entendimento de que a capacidade de quantificar ou representar algo numericamente pode muito revelar, mas sei também que essa visão é limitada, pois os números, assim como a verdade, têm o seu dom de iludir.

Kelvin não era um contador, mas sua frase sobre a importância da medição e dos números é relevante para a Contabilidade, que se baseia na quantificação para fornecer informações financeiras precisas e úteis.

De outro modo, alguns conceitos são muito complexos ou abstratos para serem reduzidos a números. Por exemplo, sentimentos como “felicidade” ou “amor” e qualidades como “sabedoria” ou “inteligência” são difíceis de quantificar de forma precisa, pois a natureza deles é multifacetada. A dificuldade em representar algo numericamente pode indicar que ainda não temos uma compreensão completa desses conceitos.

Mas faço toda essa longa introdução para falar sobre o número 11.111. Não! Para mim, ele não tem nada de cabalístico, mas tão somente representa a quantidade de páginas dos documentos que compõem as Contas de Governo do Estado da Bahia, exercício de 2024, até o momento em que escrevo estas linhas. Por certo teremos muito mais.

Na condição de conselheiro-relator do Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE/BA), realizei esse levantamento e, sumariamente, posso dizer que elas estavam compostas pelos seguintes documentos: Mensagem do Governador (38 páginas); Demonstrações Contábeis (347); Anexos Legais (677); Relatório de Avaliação de Desempenho (9.259); Seção Analítica Elaborada por Auditores do TCE/BA (456); Contraditório do Governo do Estado (70); Parecer do Ministério Público de Contas (71); e Seção Conclusiva do TCE/BA elaborada por este Relator das Contas (193).

Apesar da inegável importância das Contas de Governo como uma ferramenta essencial de informação e transparência para a sociedade, o volume de páginas representa um obstáculo gigantesco à sua acessibilidade. Em um mundo onde a Inteligência Artificial e a busca por uma linguagem simples permeiam a comunicação, a forma de apresentação desse documento vital para a fiscalização do dinheiro público ainda está longe de ser amigável e compreensível para o cidadão comum.

Assim, embora saiba o quanto os números nos revelam, entendo que, no âmbito da prestação de contas, os cinco dígitos (11.111) tornam-se exaustivos para aqueles leitores que exercem o papel de cidadãos, preocupados com a boa aplicação dos recursos públicos. Mas não digo apenas por mim. Em tempos de linguagem simples, a objetividade e a concisão das ideias e das informações devem ser a regra em uma governança — e também em uma sociedade — que preza pela transparência.

Ser transparente não é apenas apresentar dados e informações, é evidenciá-los de forma que todos possam compreender. O tecnicismo tem perdido espaço. Precisamos ser diretos e claros. Por isso, diante de uma sociedade atenta e conectada com a correta destinação dos recursos dos contribuintes, o modelo de prestação de contas de governo precisa ser repensado. Se o destinatário final, nesse caso, é o povo baiano, é fundamental que as contas públicas não sejam apenas exatas, mas, sobretudo, compreensíveis.

É fundamental que, mesmo com a profundidade técnica necessária, a estrutura e a escrita do relatório sejam repensadas para um formato mais digerível. A complexidade não pode ser uma desculpa para a inacessibilidade. Para que as Contas de Governo cumpram efetivamente sua missão de capacitar a população, é imperativo que o modelo de apresentação seja radicalmente revisto. A informação com qualidade também pode ser simples e objetiva. E isso deve ser o pilar de um novo modelo de prestação de contas para o povo da Bahia.

Concluir, portanto, é inevitável: o excesso de páginas não significa necessariamente transparência, clareza ou qualidade da informação pública. Antes, revela uma prática burocrática que se distancia dos princípios da objetividade e da comunicação eficiente, dificultando o controle social e o efetivo acompanhamento pela sociedade.

Em tempos de Inteligência Artificial, linguagem simples e valorização da transparência, não podemos continuar presos ao paradigma do “quanto mais, melhor” no que tange às prestações de contas. Documentos públicos precisam ser acessíveis e inteligíveis, especialmente para o cidadão comum, verdadeiro destinatário da informação pública. A revisão desse modelo é, portanto, uma necessidade urgente.

Inaldo da Paixão é conselheiro do TCE-BA e vice-presidente do IRB