Independência do controle público e o ato de prestar contas
Inaldo da Paixão Santos Araújo
Mestre em Contabilidade. Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. Professor. Escritor.
A Resolução A/RES/66/209, aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 22/12/2011, sinteticamente, reconhece o relevante papel das instituições públicas de auditoria (Tribunais de Contas no Brasil) na promoção da eficiência, da accountability (obrigação de prestação de contas), da efetividade e da transparência governamentais. Ações que contribuem para o desenvolvimento nacional e para o alcance dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS). De igual modo, a Resolução A/RES/69/228, de 2014, reforçou explicitamente o papel dos Órgãos de Controle nesse processo.
A ONU também afirma que essas instituições somente podem executar seu mister, de forma objetiva e eficaz, se forem “independentes das entidades auditadas e se estiverem protegidas de todas as influências externas”. Essa orientação guarda total harmonia com o capítulo II – Independência, da Declaração de Lima sobre as Diretrizes para Preceitos de Auditoria, aprovada em outubro de 1977, no IX Congresso Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores (Incosai).
Os Tribunais de Contas brasileiros, cientes dessa responsabilidade, e na constante busca de serem reconhecidos como instrumentos indispensáveis à cidadania, têm procurado aprimorar suas práticas, revelando o valor e os benefícios das suas ações, e fazer a diferença na vida dos cidadãos, como, aliás, recomendam as Normas Brasileiras de Auditoria do Setor Público (NBASP-12).
Porém é indubitável que, para alcançar esses objetivos, os Tribunais de Contas precisam exercer suas atividades, como preconizaram as Normas Brasileiras de Auditoria Governamental (NAGs), “de forma autônoma e independente dos entes auditados, livre de interferências política, financeira ou administrativa”.
Assim, os Tribunais de Contas devem planejar, executar e comunicar o resultado dos seus trabalhos de auditoria sem se sujeitarem a quaisquer tipos de influência ou pressão. Ou seja, devem ser livres para auditar, livres para relatar.
Como ser livre também significa ser independente, vale destacar que essa independência precisa estar presente em todas as atribuições constitucionais dos Tribunais de Contas, em especial nos exames sobre a prestação de contas do Chefe do Poder Executivo.
Registre-se, por oportuno, que o ato de prestar contas no Estado da Bahia, mais do que uma necessária prática de accountability e de transparência, representa um princípio fundamental, nos termos do art. 2º, VIII, da Constituição Estadual de 1989.
Assim, nos termos do art. 1º da Lei Complementar Estadual nº 005/1991, ao Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE/BA), órgão autônomo e independente, incumbido de auxiliar o controle externo a cargo da Assembleia Legislativa, compete, na forma constitucional, “apreciar as contas prestadas anualmente pelo Governador do Estado, emitindo parecer prévio a ser elaborado no prazo de sessenta dias, a partir da data do seu recebimento”.
Essas contas são compostas das demonstrações contábeis obrigatórias, de relatórios sobre o desempenho dos programas de governo, dos demais demonstrativos previstos na legislação pertinente e da mensagem enviada pelo Governador à Assembleia Legislativa.
Frise-se, ainda, que, nos termos do art. 9º dessa citada Lei, o parecer prévio sobre as contas do Chefe do Poder Executivo deve estar fundamentado nas auditorias executadas pelo Corpo de Auditores do TCE/BA. Contudo “As decisões contrárias às conclusões dos relatórios de auditoria serão, necessariamente, fundamentadas com a indicação expressa dos motivos que conduziram à divergência”.
Portanto, é por meio do ato de prestar contas que o Chefe do Poder Executivo diz o que fez. Consequentemente, é por meio da emissão do parecer prévio sobre essas contas que o TCE/BA, com independência, revela à sociedade se o que se disse que se fez foi realmente feito e, mais ainda, se foi bem feito.
Não se deve olvidar, todavia, como já disse alhures, de que ser independente não é ato retórico. Não basta ao TCE/BA, que, em 21/08/2020, comemorou 105 anos de existência, dizer que são observados padrões normativos de independência na execução de suas auditorias, mas, sim, demonstrar, na prática, que suas decisões são imparciais e que só são tomadas se estiverem fundamentadas em evidências, obtidas pelo seu corpo técnico, suficientes, adequadas e documentadas.