Indicadores que importam: como avaliar o setor público além dos relatórios

Eliane Cabrini

Medir o desempenho organizacional na administração pública é um desafio permanente. Se, por um lado, há a necessidade de prestar contas à sociedade e garantir a eficiência na aplicação dos recursos públicos, por outro, há o risco de subverter os propósitos institucionais ao criar um fetiche em torno de métricas quantitativas que pouco dizem sobre a verdadeira efetividade das políticas públicas.

A busca por indicadores de desempenho muitas vezes se inclina para o que é mais fácil de medir, não necessariamente para o que é mais relevante. Isso leva à chamada “tirania dos indicadores”, conceito explorado por Jerry Z. Muller no livro The Tyranny of Metrics (2018) . Muller argumenta que a pressão por métricas objetivas pode levar à manipulação de dados e a incentivos perversos, desviando o foco da missão organizacional para o simples cumprimento de metas numéricas.

Na administração pública, o risco é ainda maior. Diferente do setor privado, onde o lucro é um norte claro para avaliar a performance, o setor público opera em um ambiente de múltiplos stakeholders, prioridades concorrentes e objetivos de longo prazo, muitas vezes imensuráveis por simples KPIs. Como, por exemplo, mensurar o impacto de uma política de educação ou de redução das desigualdades sociais a partir de indicadores de curto prazo?

Isso não significa que a medição de desempenho deva ser abandonada. Pelo contrário. O desafio está em equilibrar o uso de indicadores quantitativos e qualitativos, alinhando a avaliação de desempenho ao real impacto das ações públicas. Algumas estratégias para evitar a distorção dos propósitos são:

  1. Indicadores de impacto em vez de apenas indicadores de processo: É comum ver órgãos mensurando apenas o volume de processos analisados ou o tempo médio de resposta. Esses são indicadores operacionais importantes, mas não respondem à pergunta essencial: a política pública está gerando transformação na realidade social?
  2. Medição orientada a valor público: O modelo de Public Value, desenvolvido por Mark Moore , sugere que a administração pública deve ser avaliada pela sua capacidade de gerar valor para a sociedade, e não apenas pelo cumprimento de metas formais. Isso exige um olhar ampliado para a satisfação do cidadão, a inclusão social e a perenidade dos benefícios gerados.
  3. Governança participativa na definição dos indicadores: Quando os próprios beneficiários das políticas públicas participam da construção das métricas de avaliação, o risco de enviesamento dos indicadores é reduzido. Isso também reforça a confiança entre governo e sociedade.
  4. Avaliação qualitativa e estudos de caso: Nem tudo o que importa pode ser medido com números. Estudos qualitativos, pesquisas de percepção e análises comparativas podem trazer insights valiosos que um simples dashboard de indicadores não captaria.
  5. Gestão do desempenho sem cultura punitiva: Indicadores devem ser usados para aprendizado organizacional e aprimoramento contínuo, e não para penalizar gestores de maneira cega. Quando a métrica vira um fim em si mesma, as pessoas se tornam reféns dela, o que leva a fraudes, subnotificações e distorção da realidade.

Em suma, medir o desempenho na administração pública é essencial, mas não pode ser feito de maneira mecânica ou descolada da realidade. O desafio está em construir sistemas de avaliação que sirvam à tomada de decisão e à geração de valor público, e não apenas ao atendimento de metas burocráticas.

Eliane Cabrini é servidora do TCE-ES, especialista em Governança, Gestão de Riscos e Compliance, além de mestranda e pesquisadora em Governança Pública (UFES)