Comemora-se o advento da Lei nº 12.846/2013, já batizada Lei Anticorrupção. Ela insere no ordenamento jurídico brasileiro sanções na esfera civil e administrativa para empresas envolvidas em corrupção. Outros países já dispunham de legislações semelhantes, como o Foreign Corrupt Practices, nos Estados Unidos, e o Bribery Act, no Reino Unido. O que chamou atenção foi a falta de participação dos Tribunais de Contas. Tratar de combate à corrupção e não incluir os Tribunais de Contas é algo que parece inusitado.
A nova lei optou por deixar a cargo da mais alta autoridade de cada órgão ou entidade dos três Poderes a instauração e o julgamento dos processos administrativos de apuração das responsabilidades. O processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica será conduzido por comissão designada pela autoridade instauradora e composta por dois ou mais servidores estáveis.
A Controladoria Geral da União foi fortemente prestigiada, ao lhe ser atribuída a competência concorrente, no caso do Poder Executivo federal, para instaurar processos administrativos de responsabilização de pessoas jurídicas, podendo também avocar os processos instaurados para exame de sua regularidade ou para corrigir-lhes o andamento.
Nada se mencionou sobre a participação do Tribunal de Contas da União, muito menos dos Tribunais de Contas dos Estados. As instituições ontologicamente destinadas ao combate à corrupção na esfera administrativa, que têm feição “quase judicial”, na expressão do Supremo Tribunal Federal, que têm larga experiência de realizar julgamentos, de assegurar ampla defesa, em que oficiam até mesmo um Ministério Público especial, enfim, praticamente tribunais administrativos ¨C embora fora do Poder Judiciário ¨C, foram solenemente ignoradas pela Lei Anticorrupção.
Os atos lesivos expressamente mencionados pela nova lei incluem prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos na lei; comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional. Quanto a licitações e contratos: frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público; impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública.
Na esfera administrativa, as sanções incluem multas, no valor de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação. A participação do Ministério Público está assegurada na esfera judicial como proponente da ação civil correspondente, como também das procuradorias federais e estaduais. A questão é a esfera administrativa.
A despeito dos indiscutíveis avanços, não caminhou bem, em meu juízo, a nova lei ao optar por desconsiderar a larga experiência acumulada pelos Tribunais de Contas, que seriam, por excelência, os órgãos administrativos responsáveis por sua aplicação, julgando os processos a ela referentes. A segurança jurídica seria muito mais facilmente assegurada, pois teríamos um órgão centralizado, independente, de grande tradição e respeitabilidade, responsável pelo julgamento administrativo, o que certamente minimizaria a judicialização.
Ao que parece, a mobilização legislativa dos órgãos que representam os Tribunais de Contas foi insuficiente para sensibilizar o parlamento. Há muitas explicações possíveis, mas opto por não fazer especulações, embora entenda que sejam necessárias reflexões sobre a nossa forma de atuação nesse campo. É uma pena. Para os Tribunais de Contas, que deixam escapar uma competência que seria naturalmente sua, e, principalmente, para o País, que não aproveita a larga experiência, estrutura e expertise de instituições vocacionadas historicamente para tão nobre missão.
* Edilberto Carlos Pontes Lima é Vice-presidente do TCE-CE