Nassau e as obras inacabadas

A história alçou Maurício de Nassau ao panteão dos grandes governantes do mundo, com destaque para o período em que administrou Pernambuco (1637/44). Sua capacidade de planejar, administrar, inovar e conciliar, aliada aos muitos feitos em prol da ciência e das artes, fizeram daqueles oito anos um verdadeiro século de progresso. Uma pequena amostra do seu idealismo está registrada na primorosa coletânea editada pelo Senado: “Conselhos aos Governantes”, que contém o seu “Testamento Político”, com recomendações a um futuro governante. Obra-prima!

Falando em obra, permitam-me imaginar como seria um novo testamento de Nassau, desta feita sobre o desafio das obras inacabadas no Brasil.

Abro “aspas”.

Sem falsa modéstia, meu governo foi marcado por importantes obras. Em Recife, construí palácios, canais, avenidas, jardins, moradias e pontes. Não obstante o êxito das edificações, quero confessar as dificuldades que tive quando da construção da primeira grande ponte, a que hoje leva o meu nome. Era uma obra estratégica, ligando ilhas do atual Recife Antigo, que deveria ter sido concluída em 2 anos. A despeito da realização de concorrência, problemas no solo do rio fizeram o orçamento da obra estourar antes do prazo, deixando-a pela metade. Precisei usar fundos pessoais para terminá-la e contar com a ajuda – creiam – até de um Boi Voador.

Embora a engenharia brasileira seja reconhecida, vejo que o desafio das obras públicas continua presente. Transamazônica, Usina de Angra, Ferrovias Norte-Sul e Transnordestina são casos emblemáticos. Hoje são 14 mil obras paralisadas. Louvo o atual esforço dos Tribunais de Contas, da Justiça, do Ministério Público e dos Governos, com vistas a tentar destravá-las. Ocorre que a paralisação decorrente de processos representam apenas 6%, sem esquecer que o Controle, embora possa até mediar soluções, não poderá transigir na responsabilização.

Tirar uma obra do papel nunca será tarefa fácil, mas a história ensina que, além do combate aos desvios, a solução passa pelo fortalecimento dos setores de planejamento (projetos e orçamentação), pela racionalização da legislação aplicada às contratações e pela melhor sincronia entre os tempos da gestão e dos controles. Cérebros e mãos às obras! PS: Aprofundem a pitoresca história do Boi Voador. Foi uma forma de recuperar o prejuízo com a 1ª ponte. Ouçam também a música ‘Boi Voador Não Pode’, de Chico Buarque e Ruy Guerra, que faz parte da marcante trilha sonora da peça ‘Calabar’.

 

Valdecir Pascoal – é Conselheiro e Diretor da Escola do TCE-PE