Nos próximos dias o Tribunal de Contas da União emitirá o seu parecer prévio sobre as contas do governo da República relativas ao exercício de 2014. Trata-se de uma deliberação anual de grande relevância, mas que nas circunstâncias atuais da vida pública brasileira adquiriu inédita repercussão e tem despertado comentários apaixonados similares aos que antecedem um Fla-Flu na final do campeonato.
Afinal, o que é um parecer prévio? Trata-se de um juízo de natureza técnica acerca dos aspectos contábeis, orçamentários, financeiros, patrimoniais e operacionais da gestão governamental ao longo de um exercício. Nele é apreciado o cumprimento a normas constitucionais e de gestão fiscal equilibrada e responsável. Constitui uma macroavaliação dos resultados alcançados no período e exige a análise dos balanços gerais da União, dos orçamentos fiscal, da seguridade social e de investimento das estatais, do desempenho da receita, da renúncia fiscal e do endividamento, bem como do atingimento das metas fiscais. Situações pontuais como irregularidades em obras, contratos ou concursos públicos não impactam o parecer prévio, pois são julgadas nas contas de gestão dos respectivos ministérios, empresas etc.
O parecer do TCU é denominado prévio, pois a Constituição reservou o julgamento definitivo das contas governamentais ao Congresso Nacional, como legítimo representante do povo, e que tem autonomia para acompanhar ou não o entendimento da Corte de Contas. O Legislativo delibera politicamente, como é da sua natureza, e às vezes opta por postergar o julgamento por mais de dez anos, como fez em relação a diversos exercícios desde 1990.
Uma única vez na história o TCU emitiu parecer prévio contrário à aprovação das contas. Foi em 1937, com respeito às contas de 1936. Naquela oportunidade, o Parlamento contrariou o TCU e declarou as contas aprovadas e, na vigência da ditadura do Estado Novo, o Relator que apresentou o Voto contrário, ministro Thompson Flores, foi perseguido e afastado da Corte de Contas. Não é à toa que um dos indicadores da vitalidade democrática de uma sociedade é a existência de instituições de controle fortes e independentes.
A leitura dos relatórios e votos que fundamentam os pareceres prévios é assaz instrutiva e esclarecedora acerca da realidade macroeconômica e dos desafios na gestão de políticas públicas relevantes, não apenas nas áreas social e previdenciária, mas nos setores energético e de infraestrutura, entre outros. No parecer prévio relativo a 2013, o TCU consignou 26 ressalvas e formulou 48 recomendações que, se tivessem sido acatadas a tempo pelo governo, teriam evitado o agravamento de problemas e a reincidência de irregularidades, como as denominadas pedaladas fiscais.
O TCU dispõe de um corpo técnico de excelência, talvez o melhor da administração pública brasileira juntamente com o do Senado. Nas contas de 2014, seus auditores identificaram com precisão uma impressionante sucessão de atos violadores das regras fiscais e orçamentárias, envolvendo bilhões de reais indevidamente contabilizados. À defesa foram concedidos todos os prazos e prorrogações solicitadas, mas seus argumentos técnicos e jurídicos não convenceram os responsáveis pela análise e o Ministério Público de Contas.
Chegou a hora do TCU decidir, combinando prudência e coragem, firmeza e sobriedade. Seus experientes ministros com certeza não se deixarão empolgar pelo clima de Fla-Flu nas arquibancadas, mas também não permitirão que o resultado seja determinado por um pênalti inexistente ou um gol em situação irregular. Seja qual for a decisão, unânime ou por maioria, será respeitável e respeitada e terá consequências importantes para o futuro do controle externo no Brasil.
Luiz Henrique Lima e Conselheiro-substituto do TCE-MT