O sonho da Renda Fundamental

O sonho da Renda Fundamental 

Valdecir Pascoal

Já estamos sob o sol da primavera de 2021. Choramos muito, muitos se perderam no caminho, a pobreza aumentou, mas os traumas da pandemia começam a ser superados. A vacina trouxe alforria aos apertos de mãos e aos abraços. A emoção do reencontro e o brotar do perdão revelam que um dos bons legados da tragédia é o aumento da empatia e da solidariedade, confirmando o sânscrito: crise é oportunidade. Neste novo tempo fraterno, vozes cresceram e uma boa nova se anuncia: é o programa “Renda Fundamental”. De início, ele permitirá uma transferência de renda incondicional e permanente para cidadãos socialmente vulneráveis. Paulatinamente, outros segmentos sociais serão incorporados.

Decerto que não existe almoço grátis. Qual o milagre, dadas as limitações fiscais? Um confiável cadastro de cidadãos; a junção de programas sociais já existentes; a aprovação de uma reforma que simplifica e põe fim à injusta regressividade do sistema tributário; o fim das renúncias fiscais concedidas sem critérios; a aprovação da lei da qualidade do gasto público; uma reforma administrativa, que extingue privilégios e valoriza o mérito; a recalibragem responsável do teto de gastos, para permitir, por exemplo, a efetividade de programas sociais; a fixação de limites globais para a dívida federal, reduzindo as despesas com juros.

É fato que temas atinentes ao papel do Estado sempre causam acalorados debates acadêmicos e políticos. Ocorre que a ideia de uma renda básica é abraçada, em essência, por gregos e troianos do pensamento econômico. É consenso de Smith à Saint-Simon e Marx; de Keynes à Friedman e Hayek. Lembro que a inspiração para programas deste jaez está na própria Bíblia, na “Parábola da Vinha”, e na famosa obra “Utopia”, de Thomas More. Uma justiça precisa ser feita: a Eduardo Suplicy, o defensor–mor da renda, um verdadeiro Quixote Quaresma, que nos provou que os moinhos não eram miragens de um triste fim e que a Constituição trazia, sim, ventos de primavera. Aliás, a Renda ser chamada de Fundamental é também homenagem aos constitucionais objetivos fundamentais da república: erradicar a pobreza, reduzir desigualdades e construir uma sociedade livre, justa, sem preconceitos e solidária.

Vejo que se anunciam outros oportunos aprimoramentos na educação básica e no SUS. Completa-se a equação da cidadania: Renda Fundamental + Educação + Saúde = Dignidade + Igualdade de oportunidades + Futuro. Orçamento, enfim, público.

Soa o despertador. Acordo com a dura realidade. Sonhemos juntos: é fundamental.

 

Valdecir Pascoal – Conselheiro do TCE-PE e Diretor da Escola