Em todo o mundo, o tema do futuro das democracias liberais é objeto de debates e apreensões. Particularmente após cada uma das guerras mundiais, a tendência histórica em favor da construção de regimes democráticos esteve associada a melhorias no bem-estar social. Lembrando a expressão cunhada por Samuel Huntington, pode-se identificar essa tendência em sucessivas “ondas de democratização. Nessa trajetória mais geral, entretanto, muitas foram as nações envolvidas em retrocessos, com “ondas reversas” que tiveram seu apogeu com o fenômeno totalitário na primeira metade do século XX.
As lições da história evidenciam a necessidade de salvaguardas para as democracias capazes de assegurar a independência entre os Poderes e a efetividade do sistema de freios e contrapesos, de modo a sustar dinâmicas tendentes à concentração do poder.
No caso brasileiro, o papel definido pela Constituição da República aos Tribunais de Contas assinala uma dessas salvaguardas, o que, talvez, ainda não tenha sido devidamente destacado. Com efeito, o processo constituinte que inseriu o Brasil na 3º onda mundial de democratização conferiu aos Tribunais de Contas competências ampliadas e autonomia no seu agir. Surgiram possibilidades inéditas, como o controle sobre a qualidade dos gastos governamentais, o que permite avaliar os resultados e o impacto de programas governamentais e de políticas públicas na melhoria da vida das pessoas. E, nessa verdadeira prestação de serviços, os TCs reforçam sua própria legitimidade. A educação é apenas um exemplo do trabalho dos órgãos de controle (incrementado nestes tempos pandêmicos) para se assegurar a todos o acesso e a permanência na escola, independentemente de onde nasçam ou da renda das famílias.
Os novos cometimentos definidos pela Constituição de 1988 vêm sendo exercidos com vigor pelos Tribunais de Contas e suas ações indutoras concorrem para a melhor aplicação dos recursos públicos, contribuindo no aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão e de governança e na redução do desperdício e da corrupção, embora esses temas continuem desafiando o País. O sistema segue se aperfeiçoando notadamente no que tange à atuação que previne o dano aos cofres públicos, incluindo orientações aos gestores e o uso intensivo da tecnologia da informação nos processos de fiscalização.
A natureza do controle externo em cada país pode nos oferecer um indicador sobre o grau de consistência do Estado Democrático de Direito. Quanto mais independentes e efetivos forem os sistemas de controle, mais consolidadas e protegidas serão as democracias. Essa correlação se explica também pelas possibilidades do controle social sobre o Estado. Regimes democráticos se fortalecem na medida em que a soberania da população se materializa em conduta cidadã. Não por outro motivo, em regimes democráticos afirmados, a sociedade é protagonista, exercendo em relação aos agentes públicos e ao processo de tomada de decisões notável e virtuosa influência.