Por Milene Cunha e Daniel Mello*
Na última semana, o Brasil acompanhou estupefato a operação que culminou com a prisão de cinco dos sete conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, por suspeita de participação em esquemas de corrupção. E no cenário de escândalos que se instalou, uma questão foi levantada: diante de tal quadro como manter o funcionamento do órgão de controle externo, que exige quórum de no mínimo quatro conselheiros para instauração de sessões para julgamento dos processos?
A resposta a essa questão traz à tona as atividades do Auditor, cargo de existência quase centenária, criado pela Lei n. 3.454/1918, e alçado ao nível constitucional pelo §4º do art. 73 da CF/88, que tem como função precípua substituir os Ministros (no âmbito da União) e os Conselheiros (no âmbito dos demais entes) em suas faltas eventuais, afastamentos e impedimentos.
Entretanto, além de substituir membro do colegiado, esses agentes também exercem as atribuições ordinárias da judicatura de contas, qual seja: presidir e relatar os processos a eles distribuídos e, para o exercício independente e efetivo de seu ofício, cuidou a Carta Política de definir que os Auditores terão, na substituição, as mesmas garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, às de juiz do Tribunal Regional Federal no caso do TCU e, por simetria, às de Juiz de última entrância no caso dos TCEs e TCMs.
Desta feita, é importante perceber que o Auditor (Conselheiro Substituto) não se confunde com os servidores dos Tribunais de Contas, a exemplo dos Auditores de Controle Externo, responsáveis pela fiscalização e apoio técnico administrativo, pois estes têm seu arcabouço normativo retirado das leis e aquele direto da Constituição.
Além do mais, o Auditor (Conselheiro Substituto) ingressa no cargo por concurso público de provas e de títulos, mas com requisitos de idade; idoneidade e reputação ilibada; experiência profissional e formação superior específica em Direito, Contabilidade, Economia ou Administração, com notórios conhecimentos nas respectivas ciências. Dada a semelhança de requisitos e atribuições com o cargo de Conselheiro, o Estadão e a Veja, em matéria publicada em 29/03/2017 e 30/03/2017, respectivamente, se referiram aos Auditores como “conselheiros concursados”.
Dessa forma, os Auditores (Conselheiros Substitutos) integram os Tribunais de Contas, na condição de membros, e ao lado dos Ministros e Conselheiros formam o quadro de magistrados do órgão, como bem ensina a doutrina e jurisprudência, a exemplo do que já afirmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI ADI n° 1.994-5 – ES.
Ainda nessa direção, por ostentar todas as garantias de independência dos juízes da mais alta entrância – vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios – o STF se manifestou definindo a natureza jurídica do cargo de Auditor como agente político, conforme se observa no trecho do voto do Ministro Octavio Gallotti, na ADI nº 507-3 – DF, que asseverou: “[…] em cargos de auditor, que são agentes políticos, com assento nos Tribunais de Contas”.
É certo que o status dos Auditores (Conselheiros Substitutos) dos Tribunais de Contas, nas palavras do Ministro Octavio Gallotti, tem dado margem a muitas perplexidades, que começam com a impropriedade da denominação do cargo, ligada a uma tradição respeitável, mas totalmente divorciada das atividades de auditoria.
Por tal razão, no intuito de dar maior clareza à natureza jurídica do cargo, a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas (Atricon) editou a Resolução n. 03/2014, que previu, como uma das diretrizes dos tribunais de contas: “iniciar processo legislativo para que o cargo de Auditor, previsto no § 4º do artigo 73 da Constituição Federal, seja denominado Ministro Substituto, no Tribunal de Contas da União, e Conselheiro Substituto, nos Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios”.
Alinhado a esse entendimento, o Tribunal de Contas da União e vários tribunais de contas estaduais promoveram tais alterações, buscando alcançar a padronização da nomenclatura, com a criação, assim, de uma identidade institucional. No estado do Pará e no Estado do Piauí, a alteração foi promovida na própria Constituição do Estado.
Fundamental ressaltar que a nova denominação tem sido usualmente empregada apenas para clarificar a função e a natureza jurídica do cargo de Auditor (Conselheiro Substituto) idealizadas na Constituição Federal, sem que qualquer alteração tenha sido procedida no arcabouço jurídico desses membros do órgão de controle externo. Em verdade, o que se busca é evitar distorções na atuação desses membros, como ocorre em alguns Tribunais de Contas pelo Brasil.
Portanto, conhecer a atuação e atribuições dos Auditores (Conselheiros Substitutos) é imprescindível para o efetivo entendimento do funcionamento dos Tribunais de Contas e, por consequência, para qualquer discussão sobre o aprimoramento do controle externo brasileiro.
Milene Cunha é especialista em Direito Público com ênfase em Gestão Pública; mestranda em Ciência Política; e Conselheira Substituta do Tribunal de Contas do Estado do Pará.
Daniel Mello é graduado em Direito e em Ciências Contábeis; especialista em Gestão de Pessoas, em Gestão Empresarial, em Direito Civil e Processual Civil, em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional; Mestre em Economia; Doutor em Administração; Doutorando em Direito; e Conselheiro Substituto do Tribunal de Contas do Estado do Pará.