Inteligência Artificial e Judiciário: tecnologia não substitui o juiz humano

Sérgio Ricardo de Souza

A evolução tecnológica impõe ao Poder Judiciário a adoção da Inteligência Artificial (IA) como ferramenta estratégica para atender às crescentes demandas por celeridade e eficiência. A relevância da IA reside em sua capacidade de otimizar tarefas repetitivas e volumosas, como a triagem de processos, o auxílio na pesquisa de jurisprudência e a elaboração de minutas.

Essa otimização libera magistrados e servidores para se dedicarem à essência da atividade judicante: a análise aprofundada dos casos e a construção do livre convencimento motivado.

Essa abordagem é validada e orientada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que, por meio da Resolução nº 615 de 2025, atualizou o marco regulatório sobre o tema, com foco especial nos desafios trazidos pela IA generativa e pelos grandes modelos de linguagem (LLMs).

A normativa estabelece diretrizes rigorosas de governança, auditoria, transparência e segurança, reforçando a visão de que a tecnologia deve ser um instrumento de apoio seguro, ético e isonômico. A resolução exige que a aplicação da IA sirva ao aprimoramento da Justiça, com estrita observância dos direitos fundamentais.

É premissa fundamental que a Inteligência Artificial não substitui o juiz humano. A complexidade das relações sociais, as nuances de cada lide e a aplicação de princípios como razoabilidade e proporcionalidade exigem uma capacidade de julgamento que transcende a lógica algorítmica.

A sensibilidade, a valoração de provas e a ponderação de valores são atribuições que permanecem exclusivas do magistrado, cuja formação humanística é indispensável para uma decisão justa. A tecnologia pode auxiliar, mas a deliberação final é um ato intrinsecamente humano.

Para garantir a confiança institucional, a Resolução 615/2025 institui um modelo robusto de governança, adotando uma abordagem baseada em riscos para classificar e controlar os sistemas de IA. Foi criado o Comitê Nacional de Inteligência Artificial, composto por magistrados, especialistas e membros da sociedade civil, com a função de orientar, fiscalizar e aprimorar continuamente o uso dessas tecnologias.

Essa estrutura assegura que a inovação ocorra de forma responsável, com transparência e relatórios públicos que permitam ao cidadão compreender como a IA está sendo utilizada nos processos judiciais.

Um dos pilares da nova regulamentação é a exigência do “letramento digital” como condição prévia para a utilização segura da IA. A capacitação de magistrados e servidores para compreender as potencialidades e limitações dos algoritmos é vista como essencial para manter o controle humano efetivo sobre as decisões automatizadas.

Além disso, a norma impõe o dever de combater ativamente vieses discriminatórios nos sistemas. Caso um viés seja identificado e não possa ser corrigido, o sistema deve ser descontinuado, garantindo que a tecnologia não perpetue ou amplifique injustiças.

O fenômeno da judicialização, característico da sociedade contemporânea, impõe uma produtividade cada vez maior aos magistrados, tornando a IA não apenas uma opção, mas uma necessidade para a gestão do volume processual. Contudo, seu uso não autoriza a substituição do juiz na elaboração das decisões finais.

A decisão judicial constitui um direito fundamental à reserva do juiz natural e humano, sendo este o único capaz de exercer a jurisdição em sua plenitude. Consolida-se, assim, o conceito de uma “reserva de humanidade”, um direito que assegura a centralidade do ser humano no julgamento, garantindo que a IA funcione como suporte, mas jamais como substituta do raciocínio jurídico.

Portanto, a implementação da IA transcende a mera modernização tecnológica deste início de século XXI; é um passo essencial para combater a morosidade e fortalecer a prestação jurisdicional. O caminho para um Judiciário mais ágil e efetivo está na colaboração sinérgica entre a inteligência do juiz e a capacidade da máquina.

Essa aliança estratégica não apenas otimiza o fluxo processual, mas, fundamentalmente, concretiza a “reserva de humanidade”, liberando o magistrado para se dedicar integralmente à análise sensível e à ponderação de valores. Assim, assegura-se que a missão primordial de realizar a justiça seja cumprida com excelência, aliando a vanguarda tecnológica ao respeito incondicional aos direitos fundamentais e à centralidade do julgamento humano.

Sérgio Ricardo de Souza é desembargador do TJES