Mais importante que a definição de um modelo de gestão em saúde é garantir uma boa governança pública que permita mais efetividade e transparência. Esta foi uma das principais conclusões a que os participantes puderem chegar ao final da Oficina de Saúde, realizada na manhã desta quarta-feira (3/12), como parte da programação paralela ao IV Congresso Internacional dos Tribunais de Contas. Alinhada ao Eixo Temático Direitos Humanos e Redução da Desigualdades e com o tema contratualização e avaliação da qualidade dos serviços de saúde: desafios da fiscalização a capacitação permitiu aos participantes acesso aos pontos de vista de pesquisadores, controladores, gestores públicos, além de conhecer práticas de fiscalização tribunais de contas que atuam em contextos muito diversos.
A abertura ficou a cargo do vice-presidente do Instituto Rui Barbosa (IRB), Sebastião Helvécio (TCE-MG), do professor do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) Rafael Fonseca e do secretário de Estado de Saúde de Santa Catarina, Diogo Demarchi Silva. Os três abordaram o tema a partir de suas perspectivas de atuação.
Fonseca apresentou um quadro de subfinanciamento do sistema de saúde público brasileiro, que ajuda a explicar as profundas desigualdades de acesso no País. Ele mostrou que o Brasil investe proporcionalmente menos em saúde que outros países com sistemas universais. “No Brasil, 4% dos gastos com saúde ficam a cargo do governo e outros 5,7% ficam com as famílias”, esclareceu. Para exemplificar as distorções geradas pelo financiamento insuficiente, ele mostrou que a taxa de utilização de ressonância magnética por mil habitantes é de 160 na saúde suplementar, e apenas 9 no SUS, enquanto a média dos países que integram a Organização e Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 88.
O professor e pesquisador também apresentou dados de pesquisa realizada pelo IEPS, com uma amostra de 96 (em um universo de 1,8 mil hospitais geridos por Organizações Sociais (OS) no Brasil), a maior parte em São Paulo e no Rio, que revelaram ganhos de eficiência após a transferência da gestão de entes federativos para as organizações e melhores resultados obtidos por entidades com experiência consolidada no setor. Destacando as limitações do estudo, Fonseca lembrou que é preciso fortalecer os mecanismos de controle público e trazer mais transparência à contratualização. Ele também tratou das fragilidades da regulação das OS no Brasil em sua fala. “A Agencia Nacional de Saúde Suplementar, por exemplo, regula os planos de saúde. Mas não há uma instituição análoga para as instituições privadas que prestam serviço na área de saúde.”, pontuou.
O titular da SES de Santa Catarina, por sua vez, mencionou as fragilidades qualitativas dos dados sobre o SUS e como isto torna mais desafiador o trabalho do gestor. “É muito dado e pouca informação”, resumiu. Com atuação na área da saúde há quase duas décadas, o gestor afirmou que, embora existam outros modelos de saúde pública universal, o Brasil é o único país que garante acesso universal, o que implica em acesso ao cidadão, ainda que por vias judiciais, a tratamentos muito caros e não cobertos oficialmente pelo SUS. “Hoje o Estado de Santa Catarina gasta 16% do orçamento com saúde, mas o setor hoje é um saco sem fundo”.
Segundo o secretário, é compreensível que o cidadão reclame e exija um atendimento sempre melhor, mas é especialmente desafiador para o gestor entregar um bom trabalho, quando parte dos recursos é “abocanhado” por emendas parlamentares, que são legítimas, mas que competem com políticas públicas importantes.
Antes de passar a palavra para os representantes de tribunais de contas que apresentaram boas práticas, Helvécio mencionou que não se pode pensar em governança como um conceito único. “Tenho ouvido tanto governança como palavra mágica para resolver todos os problemas. Não existe uma governança única. Para cada atividade temos uma governança, e governança não é panaceia”, explicou
Referencial para transferência de equipamentos de saúde
A auditora de controle externo e diretora de Fiscalização do Eixo Social do TCE-GO, Gabriela de Souza Figueiredo, representando um grupo de auditores de vários tribunais de contas brasileiros, apresentou um produto desenvolvido pela Rede Integrar: o Referencial para Transferência Eficiente do Gerenciamento de Equipamentos de Saúde para Entidades sem Fins lucrativos. O projeto Maturidade teve início em 2024, com o objetivo de avaliar a maturidade dos entes federativos para transferência de equipamentos aos entes privados.
Inicialmente, explicou, foi realizado um estudo sobre os critérios normativos que regulassem transferência de gerenciamento de equipamentos de saúde para entidades sem fins lucrativos. À partir da constatação de que a administração pública precisa se estruturar melhor para verificar se o parceiro privado está prestando serviços adequadamente, foram definidas algumas iniciativas como o desenvolvimento de um índice de avaliação de maturidade; de um portal contendo informações e avaliações, de uma metodologia de avaliação além da construção de um referencial de avaliação de maturidade.
Segundo Gabriela, o referencial é um documento elaborado em uma linguagem acessível, que serve tanto como ferramenta de autogestão para os fiscalizados quanto diagnóstico para os tribunais de contas. O modelo é replicável por metodologia única, e traz diretrizes claras e abrangentes. O trabalho conjunto deve ter desdobramentos em 2026, como a disponibilização de uma plataforma perene que servirá como indutora de melhorias contínuas na gestão.
O referencial será utilizado em uma ação coordenada nacional para prevenir desvios de recursos de contratos que transferem a gestão de unidades de saúde para OS. No primeiro dia de programação do CITC foi formalizada parceria entre o Ministério Público Federal (MPF), o Tribunal de Contas da União (TCU). a Controladoria Geral da União (CGU), a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) e a Rede Integrar.
Modelo de gestão por OS em declínio no Rio de Janeiro
A Auditora de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro Josyanne da Rocha Ferreira apresentou um panorama da atuação da corte de contas na fiscalização de contratações de OS desde 2011, quando foi aprovada lei estadual prevendo gestão de unidades de saúde por estes entes privados. Sem fazer críticas ao modelo, ela apresentou dados revelando que a forma como foi implementado no Estado apresentava diversas fragilidades, como deficiências na fiscalização dos contratos pelos jurisdicionados, baixa transparência e instituição de metas e indicadores arbitrárias e processos de compras sem garantia de economicidade.
AS fragilidades reiteradas contribuíram para uma série de escândalos na gestão da saúde, que se intensificaram durante a pandemia de Covid-19. Ainda em 2015, lembrou a auditoria, o modelo de gestão consumiu mais de R$ 3 bilhões e a saúde estava mergulhada em caos. Ao longo do tempo, o TCE-RJ foi adaptando sua forma de fiscalizar, ampliando parcerias com outras instituições públicas que contribuíram até mesmo para operações policiais que desbarataram esquemas de corrupção. O tribunal também investiu na atuação pedagógica capacitando gestores de saúde e organizações sociais, e no uso de informações estratégicas para atuar de forma mais assertiva. Hoje, o modelo de gestão de unidades por OS está sendo esvaziado no Estado, que caminha para a gestão por fundação. Enquanto nos municípios o modelo vive um momento de expansão.
Atuação do TCM São Paulo contribuiu para aperfeiçoamento do modelo
No município de São Paulo, mais 95% da atenção primária em saúde já gerida por OS. Isso foi com que aproximadamente 10% do Orçamento do município, e 60% do Orçamento da Secretaria Municipal de Saúde sejam destinados a estas organizações sem fins lucrativos. Foi o que explicou o auditor de controle externo do Tribunal de Contas do Município de São Paulo Luiz Gustavo de Oliveira Vieira.
O modelo começou a ser implementado ainda no final da década de 1990, e apesar de estar mais maduro que em outras regiões do País, teve ganhos expressivos a partir da atuação do TCM-SP. Reforço dos Controles Internos – inclusive por aumento expressivo de servidores concursados -, maior transparência na prestação de contas, além de um novo sistema de gestão de dados adquirido com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento são alguns dos aprimoramentos apontados. “Novos contratos de gestão deverão ser celebrados em breve e o TCM-SP terá forte atuação na fiscalização dos editais”, acrescentou o auditor.
Sistema Integrado de Transferências (SIT)
Auditor de Controle Externo do TCE-PR, André Fadel apresentou o Sistema Integrado de Transferências, plataforma obrigatória para estado e municípios do Paraná desde 2012 para convênios, contratos de gestão e instrumentos congêneres. A ferramenta de gestão foi criada como resultado de um trabalho de fiscalização realizado em 2007, e deverá passar aprimoramentos em breve, tão logo sejam aprovadas novas normativas regulamentando este tipo específico de prestação de contas.
Mais transparência na prestação de contas em Pernambuco
Em Pernambuco, o Tribunal de Contas do Estado aprovou resoluções em 2011 e 2021, que ampliaram a necessidade de transparência das organizações sociais que fazem a gestão de saúde. Quem fez a explanação sobre o modelo foi a auditora de controle externo do TCE-PE Adriana Maria Gomes Nascimento. O objetivo dos normativos foi reduzir a assimetria de informações. Assim, os jurisdicionados encaminham mensalmente dados sobre gastos com pessoal, aquisições, entre outros, das unidades de saúde em que há contratos de gestão, e anualmente, as próprias OS precisaram fazer prestação de contas ao Tribunal.
O Estado tem hospitais geridos por OS desde 2009, e o TCE-PE realizou sua primeira auditoria sobre o modelo ainda em 2010. Desde então, tanto o Tribunal aperfeiçoou sua forma de fiscalizar, como o próprio modelo de gestão de unidades de saúde tem passado por aprimoramentos.
IV CITC
Com o tema “Tribunais de Contas: República, Democracia, Governança e Sustentabilidade”, o IV CITC acontece de 2 a 5 de dezembro no Centro de Convenções de Florianópolis (CentroSul). O evento é uma realização da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE-SC), Instituto Rui Barbosa (IRB), Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas, Associação Brasileira de Tribunais de Contas dos Municípios (Abracom) e Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros Substitutos dos Tribunais de Contas do Brasil (Audicon).
A realização da quarta edição do Congresso tem a parceria do governo do Estado de Santa Catarina, Prefeitura de Florianópolis, Prefeitura de Blumenau, Assembleia Legislativa e Grupo Baía Sul e patrocínio de Aegea, BID, BRDE, Celesc, Codemge, Cemig, CFA, CFC, CNI, FIESC, Sebrae, TechBiz, ABDI, BNDES, Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e Ministério da Fazenda
Texto: Heloísa Lima (TCE-GO)
Foto: Maycon Silva (Empresa Benevides)
Edição: Jeferson Cioatto (TCE-SC)