Em 23/10/2025, o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino proferiu sua decisão na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 854, na qual havia sido noticiado o descumprimento pelos Estados, Distrito Federal e Municípios do quanto já decidido, em 2022, no bojo da mesma ação e, também, das ADPFs 850, 851 e 1.014, quando o STF declarou inconstitucionais as práticas orçamentárias que viabilizavam o chamado “orçamento secreto”, por violarem os princípios constitucionais da transparência, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade.
Após a declaração da inconstitucionalidade, no âmbito da União, foram adotadas medidas para o fortalecimento da transparência e o aperfeiçoamento da rastreabilidade de emendas parlamentares recebidas por ONGs e demais entidades do terceiro setor; foi determinada a abertura de contas específicas e individualizadas, para recebimento de recursos oriundos de “emendas PIX” e de emendas coletivas (comissão e bancada); foram vedadas as “contas de passagem”, saques em “boca do caixa” e outros mecanismos congêneres; e estavam sendo realizadas auditorias pela Controladoria Geral da União (CGU) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU), com a apresentação de “Relatórios e Notas Técnicas”.
Contudo, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, as “emendas PIX” seguiam em profunda opacidade, desafiando a Constituição e a autoridade do STF. Daí ter sido necessário o Ministro Flávio Dino determinar, na recente decisão, a extensão dos mesmos padrões de transparência e rastreabilidade das emendas federais às emendas parlamentares dos demais entes federativos.
E o que essa decisão tem a ver com os Tribunais de Contas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios?
É simples. O orçamento público tem de ser público. O jogo de palavras diz tudo. Os recursos públicos pertencem a todos; sua destinação deve ser conhecida pelos donos. É inadmissível no Estado Democrático de Direito que a utilização dos recursos públicos seja secreta. Orçamento público secreto é uma contradição em seus próprios termos. Os cidadãos precisam saber a destinação de cada centavo do dinheiro que lhe pertence e confiar que os Tribunais de Contas fiscalizarão o bom uso dos recursos públicos (quanto, onde e para que foram gastos).
Assim, na esfera de suas respectivas competências constitucionais e legais, os Tribunais de Contas da federação devem adotar as providências necessárias à efetiva fiscalização e à promoção da conformidade dos processos legislativos orçamentários e da execução dessas emendas ao modelo federal, assegurando a sua plena observância. Isso significa que a execução orçamentária e financeira das emendas parlamentares aprovadas por deputados estaduais, distritais e vereadores somente poderá iniciar no exercício de 2026 após a comprovação, pelos governos locais, perante os respectivos Tribunais de Contas, do cumprimento do art. 163-A da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional nº 108, de 2020, que assim preconiza: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disponibilizarão suas informações e dados contábeis, orçamentários e fiscais, conforme periodicidade, formato e sistema estabelecidos pelo órgão central de contabilidade da União, de forma a garantir a rastreabilidade, a comparabilidade e a publicidade dos dados coletados, os quais deverão ser divulgados em meio eletrônico de amplo acesso público”.
Como disse o Conselheiro Inaldo da Paixão Santos Araújo, “Apesar de as emendas serem consideradas uma distorção do nosso jogo democrático e republicano, a transparência, a rastreabilidade e os controles interno, externo e social efetivos podem ser o soro”. E, no âmbito dos Tribunais de Contas, esse remédio deve ser aplicado sem perder o foco na Norma Brasileira de Auditoria do Setor Público (NBASP) 12, que orienta essas instituições de controle financeiro externo a trabalharem para fazer a diferença na vida dos cidadãos.
Morgana Bellazzi de Carvalho é auditora de Contas Públicas do Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE-BA)