Inaldo da Paixão Santos Araújo
“Então é Natal”. Sim, caros leitores, decidi iniciar este artigo com o título da versão, em português, da famosa canção “HappyXmas” (War Is Over), de autoria de John Lennon e Yoko Ono. A música se popularizou no Brasil na voz da cantora Simone, em seu álbum “25 de Dezembro”, de 1995. E de lá para cá vem sendo ainda muito utilizada em comerciais, sendo trilha para as reuniões e festas de fim de ano. É uma frase simples, que, ao meu ver, não tarda a desembocar numa pergunta que gera muitas reflexões. Então é Natal. E daí? O que você está fazendo para melhorar a si mesmo a cada ano? Bem, recentemente muitas respostas me foram dadas quando participei, no dia 18 de dezembro, do 14º Encontro Inter-religioso, realizado no auditório do Tribunal de Contas do Estado da Bahia. Um concílio de fé, paz e respeito à diversidade de crenças, no qual representantes de sete religiões lançaram as suas mensagens de união e esperança para a humanidade.
Foi um momento em que pudemos olhar para dentro de nós mesmos ao ouvir as belas mensagens de Mãe Isabel, representante da Umbanda; da pastora Camila Oliver (Evangelismo), de Mãe Jaciara (Candomblé); do Sheikh Abdul Ahmad (Islamismo), de Marcos Wanderley (Judaísmo), do Frei Fernando Henrique (Catolicismo) e de José Medrado (Espiritismo). Cada qual com seu saber, com sua vivência sacerdotal, com seu ofício de fé. Mas todos eles palmilhando caminhos que convergem para uma força maior, uma atmosfera de amor e entendimento que propicia a união entre as pessoas. Sim, porque não podemos viver sem o outro. O outro, ainda que traga as suas diferenças, sempre será parte de nós. Porque todos precisam de todos. Nas mensagens dos líderes religiosos, percebi algo de muita profundidade. O amor se revela em palavras, mas principalmente em gestos. Pois de nada adianta dizermos se não cumprirmos. O discurso de amor e solidariedade não surte o menor efeito se não agirmos na construção do bem que favoreça o próximo. É preciso olhar para os lados e entender que podemos caminhar juntos, somando valores.
Em dado instante do evento inter-religioso, veio a ideia luminosa: como símbolo maior, girassóis foram distribuídos entre os participantes. Uma flor cujo destino é seguir o sol, trazendo felicidade, alegria, vitalidade e positividade. Este é o caminho que devemos sempre trilhar na nossa relação com o outro. E nessa jornada, é fundamental ornarmos o Natal do seu belo simbolismo, com guirlandas, enfeites e presentes diversos. No entanto, é importante que plantemos árvores simbólicas de humanidade. Este sim é o legado que podemos deixar na nossa passagem por este plano. Já disse várias vezes, em artigos, que para mim é um grande prazer plantar árvores frutíferas. Agora tenho o privilégio de ensinar a meu neto, José Victor, a cultivar os seus caminhos com esses hábitos. Creio ser este o legado que um avô pode deixar, além de desenhar para ele um mundo de amor, afeto e conhecimento. Aprendi com o meu neto o valor das coisas simples, das palavras incompletas, que muito me dizem na linguagem da infância.
Tenho a felicidade de ter nascido no mês do Natal. Faço aniversário no dia 10 de dezembro. E confesso que gosto desse clima simbólico: árvores, pisca-piscas, enfeites, presentes, abraços, felicitações, a ceia com os familiares. Mas não é prudente ter, o tempo inteiro, uma visão romântica e consumista da data que simboliza o aniversário de Jesus Cristo. A essência da festa, vale lembrar, conta uma história de escassez. O menino judeu que nasceu numa estrebaria, sem qualquer conforto, perseguido por soldados de um rei que queria assassiná-lo. A lembrança nos faz refletir sobre as desigualdades do mundo. Num dia de tantas celebrações, é necessária a chama da solidariedade para aplacar as dores do próximo. Não podemos esquecer que, neste mesmo dia, há pessoas solitárias sofrendo em hospitais, asilos e hospícios; há irmãos sem ter o que comer, há gente perdendo a esperança. E por ainda termos esperança e podermos agir para transformar, acreditamos na construção de um mundo melhor. É o tempo da renovação, em que vislumbramos o sonho possível. Pensando bem, qual a grande realização que não começa com um sonho? Enquanto tivermos asas para sonhar e forças para agir pelo próximo, terá sentido dizer: “Então é Natal”.
Inaldo da Paixão é conselheiro do TCE-BA e presidente eleito do Instituto Rui Barbosa (IRB)