Luiz Henrique Lima *
Os métodos tradicionais de controle da administração pública estão mortos, mas insepultos. Calcados na tradição formalista e numa visão estrita da legalidade, tais métodos tornaram-se tão obsoletos como as missas em latim, mas sem a beleza dos cantos gregorianos. Não respondem às aspirações da sociedade que reclama qualidade na prestação dos serviços públicos, zelo na aplicação dos recursos dos impostos, seriedade no trato da coisa pública e probidade na administração. Os brasileiros exigem melhores resultados nas políticas públicas e para isso o controle formalista é incapaz de contribuir.
Enquanto as fraudes ocorrem em transferências bancárias milionárias em paraísos fiscais processadas em poucos cliques nos teclados de laptops ou smartphones, o controle formalista ainda se se concentra em carimbos e rubricas. Como numa piracema às avessas, sua rede só alcança girinos e bagrinhos, deixando livres os peixes grandes e gordos, cevados no assalto ao erário. A exemplo dos mortos de Antares na obra de Érico Veríssimo, o cadáver do controle formalista perambula ali e acolá, em decomposição nauseabunda, defunto sem sepultura a assombrar os viventes.
A bem da verdade, sua certidão de óbito foi lavrada pela Constituição de 1988 que estipulou que o controle externo da gestão pública, exercido pelo Legislativo e pelos Tribunais de Contas, observaria, além da legalidade, também a legitimidade e a economicidade dos atos e contratos governamentais. E mais: a Carta Magna previu que a fiscalização não seria mais restrita a aspectos orçamentários e contábeis, mas também financeiros, patrimoniais e operacionais. O constituinte de 1988 anteviu o futuro e lançou as bases de um controle voltado para a efetividade da gestão pública, que fizesse valer o princípio republicano da prestação de contas, segundo o qual todo gestor de recursos públicos, desde o Chefe de Estado até o chefe do almoxarifado, tem o dever de prestar contas à sociedade, por intermédio dos órgãos técnicos de controle, acerca dos resultados de sua atuação.
Democraticamente, a Constituição de 1988 inovou também nas regras e requisitos para composição das Cortes de Contas, estabelecendo critérios mais rígidos de idoneidade, conhecimentos e experiência e fixando que uma parcela dos Ministros do TCU e Conselheiros dos TCs teria origem estritamente técnica, a partir de listas tríplices de Conselheiros Substitutos e Procuradores de Contas, selecionados por concurso público.
Mas então, o que explica a permanência do controle formalista, em descompasso com a Lei Maior que já completou um quarto de século? Ora, o arraigado conservadorismo que permeia os círculos de poder tão magistralmente descritos por Raymundo Faoro em Os Donos do Poder. Trata-se da obstinada resistência daqueles que por décadas se habituaram a fazer dos cargos públicos atalhos para o enriquecimento pessoal e de seus clãs, e também o inconformismo dos recém-chegados a postos de comando e que não admitem o saneamento da vida pública “logo agora que chegou a sua vez”. Todos se coligam como insurgentes do Velho Regime, intransigentes no propósito de fazer letra morta do modelo constitucional de controle externo.
Dissimulados, não assumem o que de fato pretendem: a perpetuação do controle formalista, tão conveniente, por sua ineficácia, para os larápios do tesouro. Na prática, lutam de todas as formas para retardar o processo de modernização dos TCs, seja buscando influenciar a escolha de membros alinhados com uma visão retrógrada, seja denunciando os TCs como responsáveis por atrasos em obras mal planejadas, mal executadas e superfaturadas, acusando-os de burocráticos, exatamente quando procuram atuar de modo preventivo, evitando prejuízos.
É hora de sepultar o controle que não funciona e assegurar aos brasileiros controles mais técnicos e inteligentes, pautados na efetividade e que contribuam para a melhoria da gestão pública.
* Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.