A festa da democracia das eleições do ano passado se consumou com a posse dos novos prefeitos, em primeiro de janeiro de 2013. Passadas as comemorações, novas questões e responsabilidades se colocam para estes gestores municipais. Os prefeitos empossados, para lograrem êxito neste mandato, terão que enfrentar questões inéditas.
Ser prefeito nunca foi tarefa fácil, temos plena ciência disso. Além das pressões locais, dos próprios cidadãos, os prefeitos vêm recebendo uma carga cada vez maior de responsabilidades. Para ficar em poucos exemplos: a Lei de Responsabilidade Fiscal; a colaboração (inclusive financeira) com os programas federais de transferência de renda; os ganhos reais do salário-mínimo; e o piso nacional do magistério.
Os órgãos de controle, previstos constitucionalmente, como o Tribunal de Contas, têm fiscalizado o cumprimento de todas estas novas responsabilidades dos prefeitos por dever de ofício, desde a Constituição de 1988. Devemos lembrar que os órgãos de controles atuam por mandamento constitucional, dado que estas obrigações dos prefeitos são criadas por legislação baixada pela União, muitas vezes sem a contrapartida necessária de recursos financeiros.
Contudo, neste mandato, de janeiro de 2013 até dezembro de 2016, os atuais prefeitos serão exigidos em um patamar inegavelmente superior aos que encerraram a gestão em dezembro último.
Os prefeitos empossados, na verdade, terão que cumprir novos deveres e novas formas de exercer antigos deveres, buscando a tão sonhada excelência na gestão pública, ou, como anteriormente se falava, um “governo de Primeiro Mundo”. Podemos falar em um novo “modo de fazer” para os gestores municipais, com um impacto de mudança semelhante ao causado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, quando editada em 2000.
TRANSPARÊNCIA – Não há mais espaço na administração pública, em todos os níveis, para a falta de transparência. A nova Lei da Transparência (Lei Federal 12.527), que entrou em vigor no ano passado, terá de ser plenamente aplicada pelos novos prefeitos. A grande maioria dos municípios, contudo, está deficiente no respeito à nova Lei de Transparência. É uma Lei que vai muito além da divulgação da folha de pagamento na Internet. A Lei, por exemplo, coloca o cidadão com poderes que antes eram exclusivos dos vereadores, como requisitar informações da gestão. Agora qualquer cidadão pode fazer um pedido de informações às prefeituras. Os novos prefeitos não devem encarar isto como intromissão indevida, mas como um novo estágio da democracia brasileira. O TCE irá fiscalizar o cumprimento da Lei de Transparência, em parceria com os demais órgãos de controle.
NOVA CONTABILIDADE PÚBLICA – As unidades federativas, inclusive os Municípios, terão que se adaptar à nova contabilidade pública, ou seja, às Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público (NBCASP), baixadas pelo Conselho Federal de Contabilidade. Esta mudança na contabilidade pública visa colocar o setor público brasileiro de acordo com a moderna contabilidade internacional. Com esta nova contabilidade, que será exigida também pela Secretaria do Tesouro Nacional, do Ministério da Fazenda, poderá se evidenciar todo o patrimônio das entidades do setor público, o ativo e o passivo, a receber e a pagar. Mais do que simples registro, teremos verdadeira gestão da informação, uma gestão contábil verdadeiramente eficiente.
PRESTAÇÃO DE CONTAS – Outro dever importante dos novos prefeitos, tendo grande relação com a transparência e a nova contabilidade pública, será fazer a efetiva e completa prestação de contas de sua gestão. Os órgãos de controle, como o Tribunal de Contas, têm a obrigação constitucional de exercer com máxima eficácia o controle externo dos municípios. Não há mais espaço para prefeituras criarem obstáculos aos órgãos que fazem a fiscalização de recursos públicos. A sociedade, inclusive, já está começando a exigir que o controle do dinheiro público seja feito de forma preventiva, para evitar antecipadamente o desperdício. Neste caminho, o Tribunal de Contas de Pernambuco economizou, apenas em 2012, mais de 803 milhões de reais dos cofres públicos, com suas auditorias concomitantes e de acompanhamento de obras. Ainda, o TCE teve importantes atuações que não podem ser avaliadas monetariamente, como o afastamento de prefeitos com denúncias de irregularidades – inclusive casos de gestores que se recusaram a prestar contas aos auditores do TCE. Os prefeitos precisam ter a sensibilidade de que atuar de forma democrática, respeitando a Constituição Federal, implica uma gestão municipal aberta e colaborativa com o controle externo.
MEIO AMBIENTE – Os novos prefeitos terão de exercer o dever constitucional de defesa do meio ambiente neste mandato. De fato, historicamente, as prefeituras de pequenas cidades são omissas nas questões ambientais. A grande tarefa em matéria ambiental, neste mandato municipal, será a destinação do lixo. Infelizmente, este importante tema ficou fora dos debates das eleições municipais. Mesmo assim, os prefeitos devem tratar do assunto imediatamente. Sem exageros, é uma questão urgentíssima. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei Federal 12.305/2010) dispõe que, até agosto de 2014, os municípios terão que desativar os “lixões”, tratando os resíduos prioritariamente em aterros sanitários, de acordo com a legislação federal. O TCE não encara esta Política Nacional de Resíduos Sólidos como mais uma determinação que vá cair no esquecimento, não sendo respeitada. Esta Lei Federal determina a imputação de crime ambiental aos prefeitos, como sanção pela não extinção dos “lixões”. Neste tema, é preciso lembrar que os prefeitos contam com recursos para enfrentar a questão: o ICMS Ambiental. Este imposto é transferido pelo Estado aos municípios para fazer frente a despesas ambientais. Entretanto, o corriqueiro é o uso deste recurso no caixa-único dos municípios, sem observância de sua destinação para o meio ambiente. Os “lixões” deverão substituídos por aterros sanitários até 2014. A responsabilidade é dos novos prefeitos.
QUALIDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS – O Tribunal de Contas colocou a disposição da população de Pernambuco o “Portal da Saúde”, através de sua página na Internet. Este instrumento visa fornecer a população um meio de controle social para avaliar os prefeitos em um importante desafio: a qualidade dos serviços públicos. Inicialmente, o TCE começou com o “Portal da Saúde”, mas já está sendo elaborado o “Portal da Educação”. Os novos prefeitos devem ter consciência de que não basta apenas aplicar os percentuais mínimos da Constituição em saúde e educação. Estes recursos devem resultar efetivamente em qualidade e eficiência destas políticas públicas. Os gastos em saúde e educação devem se refletir, de forma coerente, na diminuição da mortalidade infantil, no saneamento, no atendimento à gestante, na redução do analfabetismo e nas notas dos exames nacionais escolares, para ficar em alguns exemplos. Os resultados da aplicação destes recursos devem ser mensuráveis e sempre para melhor. Não adianta cumprir os mínimos de gastos em saúde e educação, se os indicadores estão piorando – como o “Portal da Saúde” do TCE provou estar ocorrendo em alguns municípios de Pernambuco. A sociedade já passou a exigir dos governantes a qualidade no serviço público. O Tribunal de Contas auditará esta qualidade, até porque atuar com eficiência e a economicidade são deveres dos prefeitos, previstos expressamente na Constituição de 1988.
CONCURSO PÚBLICO – Decorridos 24 anos da Constituição de 1988, não há mais justificativa para o desrespeito ao instituto do concurso público. Os Municípios não podem mais conviver com o uso político das contratações temporárias e com um excesso de cargos em comissão. O concurso público é regra moralizante que concretiza o princípio da impessoalidade. As unidades federativas maiores, como a União e o Estado de Pernambuco, buscaram a profissionalização de seus quadros e os efeitos benéficos na gestão pública já são mais do que evidentes. Chegou o momento dos municípios também darem este passo em prol da eficiência no serviço público. Afinal, a sociedade vem repudiando o uso político das vagas no serviço público. Os novos prefeitos têm como missão cumprir este anseio social, fazendo concursos que atendam efetivamente os princípios da legalidade, moralidade, publicidade e impessoalidade.
PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS – Do ponto de vista financeiro, este é o maior problema de grande parte dos novos prefeitos. O passivo de alguns municípios com a previdência é muito alto. A urgência da questão se coloca tanto no regime próprio (servidores efetivos), como no regime geral (contratados e comissionados). O TCE não se descuidou da questão nos anos anteriores, pois rejeitou as contas dos gestores que cometeram irregularidades na gestão da previdência, aplicando todas as punições que eram de sua atribuição. Todavia, alguns mandatários municipais de períodos anteriores, infelizmente, fizeram a opção consciente de desrespeitar o patrimônio da aposentadoria dos servidores, fazendo saques indevidos, não recolhendo valores, desviando dinheiro descontado dos servidores, descumprindo parcelamentos e investindo sem planejamento os recursos poupados. Por mais importante que seja uma obra, por exemplo, não se pode admitir nela usar recursos que são legalmente da aposentadoria dos servidores. Esta é uma atuação inaceitável, que não poderá ser repetida pelos prefeitos que iniciam seus mandatos. Em alguns municípios, podemos afirmar que há um rombo previdenciário que pode ser chamado de “bomba-relógio”. Infelizmente, nestas irregularidades, o TCE só pode atuar até onde a Constituição Federal lhe permita. Falando claramente, são os novos prefeitos que têm o dever constitucional de resolver estes passivos previdenciários, pois os servidores municipais têm seus direitos e precisam contar no futuro com as suas aposentadorias. Muitos prefeitos, infelizmente, terão que deixar parte dos investimentos de lado, para resolver estas pendências financeiras. Caso os novos prefeitos não atuem de forma proativa para corrigir os problemas da previdência municipal, estará em risco a futura aposentadoria de servidores (com valores dignos e de acordo com a lei), bem como a viabilidade financeira da própria Prefeitura.
Diante deste rol meramente exemplificativo de desafios, o TCE reconhece as dificuldades dos novos mandatários municipais. Diante disso, o TCE não se colocará em postura punitiva. O objetivo do Tribunal, por seu Conselho e seus servidores, não é punir.
O TCE quer atuar em parceria com os novos prefeitos, através de ações pedagógicas e de colaboração mútua com os municípios. Neste sentido, estaremos realizando seminários para os eleitos, colocando cursos na Escola de Contas para os colaboradores dos prefeitos, orientando os gestores nas Inspetorias Regionais, enfim, tomando todas as medidas para colaborar, como é a prática do TCE há vários anos. A parceria do TCE com os municípios se dará, inclusive, com a auditoria concomitante, fazendo a prevenção nos gastos públicos desnecessários.
O Tribunal de Contas de Pernambuco procurou, nos últimos anos, se aperfeiçoar cada vez mais para responder aos novos anseios da sociedade. Os novos prefeitos, nestes mandatos que se iniciam, também terão o desafio de aperfeiçoar a gestão pública em benefício da população. É um novo momento do setor público em todo o Brasil, em que todos, controladores e controlados, devem buscar qualidade, eficiência, respeito ao cidadão, parcerias e, principalmente, manejar com honestidade os dinheiros públicos.
*Teresa Duere é presidente do TCE-PE | Contato: [email protected]