Há momentos na vida em que é preciso dizer ‘não’, mesmo que o preço a pagar seja muito alto. Em tais momentos, o ser humano desnuda sua alma, expõe seu caráter e mostra se é corajoso ou covarde, íntegro ou pusilânime, coerente ou oportunista, sincero ou dissimulado, justo ou corrupto.
Tais momentos ocorrem poucas vezes e nem sempre são previsíveis, mas em regra o comportamento neles adotado marca definitivamente uma existência. Também em regra, os que têm a coragem de dizer ‘não’ sofrem represálias terríveis e de imediato são considerados vencidos, derrotados, acabados. Mas têm a consciência tranquila e em médio prazo muitos serão admirados e reconhecidos como heróis. Mesmo aqueles que permanecem anônimos são mais felizes que os que sacrificam suas convicções no altar das conveniências passageiras. A história abomina os traidores e uma das mais sórdidas traições é quando, por covardia ou por ambição, um homem trai a si mesmo.
Sócrates, o filósofo grego, disse não à proposta de fuga da prisão às vésperas de sua execução, porque fugir seria negar seus princípios. O apóstolo Paulo de Tarso, levado à presença do imperador Nero, recusou-se a abjurar a fé cristã e foi martirizado. Na tragédia de Shakespeare, Cordélia, a filha caçula do rei Lear, é punida quando fala ao pai com sinceridade e não recorre à lisonja como suas irmãs. Giordano Bruno queimou na fogueira da Inquisição sem renegar suas convicções científicas que contrariavam os dogmas medievais.Consta que no julgamento Giordano Bruno afirmou que seus juízes deveriam tremer mais ao pronunciar a sentença de morte do que ele ao ouvi-la.
Gandhi, com sua aparência frágil e resistência pacífica, mas determinada, inspirou milhões de indianos a dizerem não ao poder colonial britânico. Nelson Mandela resistiu décadas encarcerado negando-se a conciliar com o odioso regime do apartheid sul-africano.
No Brasil, Serzedello Correa, Ministro da Fazenda no governo de Floriano Peixoto, demitiu-se por não aceitar subscrever os decretos que propunham o esvaziamento dos poderes do Tribunal de Contas da União. Lysâneas Maciel, deputado federal carioca, foi cassado, perseguido e exilado porque não foi cúmplice do silêncio e enobreceu a tribuna do Parlamento brasileiro denunciando as torturas e os crimes da ditadura militar.
Sérgio Carvalho, capitão paraquedista da Aeronáutica, conhecido como Sérgio Macaco, honrou a sua farda em 1968, recusando mobilizar sua unidade de salvamento e resgate, o Para-Sar, para participar do plano terrorista da extrema-direita, que envolvia assassinatos de líderes políticos e a explosão do Gasômetro no centro do Rio de Janeiro, e que lhe fora transmitido como ordem por oficiais superiores. Sua carreira militar foi ceifada. Perseguido, foi vítima do Ato Institucional 5, perdeu a patente e foi proibido de voar, sua grande paixão. Vinte e seis anos depois, mesmo após a anistia e tendo obtido decisões favoráveis do Supremo Tribunal Federal, Sérgio Macaco morreu sem ter sido reintegrado à Aeronáutica. Deve ser reverenciado como um herói de nosso tempo, que salvou vidas tanto quando atuou em resgates na selva amazônica e como quando se negou a praticar crimes de Estado.
Todos esses exemplos merecem ser conhecidos e lembrados para inspirar os jovens que iniciam sua vida profissional e de cidadãos a ter coragem de serem íntegros e de dizer ‘não’ quando necessário.
* Luiz Henrique Lima é Auditor Substituto de Conselheiro do TCE-MT