João Antonio
“A filosofia, ao longo da história, tem nos ensinado que a consciência crítica nasce da insatisfação com o mundo dado. Assim, o inconformismo se manifesta como um primeiro passo para a transformação social, mesmo diante de estruturas que insistem em manter esses grupos à margem.”
A vida nas comunidades marginalizadas — popularmente chamada de quebrada — é marcada por uma luta constante entre a realidade dura e a esperança que move seus habitantes. O futuro, ainda que incerto, é projetado na expectativa coletiva, tornando-se um ponto de apoio para a resiliência. A imaginação atua como um elemento transformador, pois permite enxergar além da miséria e da exclusão, criando possibilidades onde, aparentemente, não há nenhuma. Neste sentido, a esperança se torna um ato de resistência, um movimento contrário ao determinismo social que os condena ao esquecimento.
O silêncio dessas comunidades não é vazio; pelo contrário, carrega em si a força de um grito contido, uma narrativa que resiste à opressão. A imaginação não apenas alimenta sonhos, mas também questiona a realidade imposta. A filosofia, ao longo da história, tem nos ensinado que a consciência crítica nasce da insatisfação com o mundo dado. Assim, o inconformismo se manifesta como um primeiro passo para a transformação social, mesmo diante de estruturas que insistem em manter esses grupos à margem.
As cercas que aprisionam essas comunidades não são apenas físicas, mas também simbólicas e institucionais. A ordem jurídica, que deveria ser um instrumento de justiça, muitas vezes se apresenta como um mecanismo de manutenção de privilégios. O direito, quando desprovido de equidade, torna-se apenas uma linguagem da elite, distante das necessidades daqueles que estão à margem da sociedade. Isso reforça a exclusão e perpetua a lógica da desigualdade, consolidando a invisibilidade dos esquecidos.
No entanto, mesmo diante dessas adversidades, a solidariedade surge como um valor essencial para a organização comunitária. Diferente das relações regidas pelo individualismo e pelo poder econômico, nesses espaços a coletividade se torna um meio de sobrevivência e resistência. O respeito mútuo, independente de status ou origem, revela uma ética própria, muitas vezes mais autêntica e justa do que a moral imposta pelas instituições dominantes.
A luta diária pela sobrevivência faz com que cada amanhecer seja uma vitória. Para aqueles que vivem nas periferias, a existência não é garantida, mas conquistada dia após dia. A precariedade imposta não os define apenas como vítimas, mas também como sujeitos ativos que, mesmo diante da escassez, encontram formas de celebrar a vida. A filosofia da resistência emerge nesse contexto, onde a celebração da existência é, paradoxalmente, uma denúncia da exclusão.
A pandemia acentuou ainda mais essa desigualdade, evidenciando o que já era sabido, mas muitas vezes ignorado: a vida dos esquecidos vale menos no jogo das prioridades sociais. Enquanto alguns puderam se proteger, outros foram forçados a arriscar suas vidas para garantir o sustento. A crise sanitária não apenas expôs a fragilidade do sistema, mas também revelou a força e a resiliência daqueles que, mesmo diante do caos, encontraram maneiras de se apoiar mutuamente.
Por fim, pensar sobre o mundo dos esquecidos é um convite a refletir sobre a estrutura que produz essa exclusão. A verdadeira transformação não virá apenas de políticas superficiais, mas da mudança na forma como a sociedade enxerga esses indivíduos. Se a filosofia tem o papel de questionar a realidade, então cabe a ela também dar voz aos que foram silenciados. Afinal, a periferia não é apenas um lugar de falta, mas também um espaço de potência, criatividade, resiliência e resistência.
João Antonio é conselheiro do TCM-SP e vice-presidente da Atricon