por Jonas Lopes de Carvalho Junior*
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu uma decisão, por maioria, que, com toda a certeza, passou despercebida de grande parte da população. A sentença subordina a apreciação das contas dos prefeitos, como gestores de recursos públicos, ao julgamento político das cá-maras municipais. A Constituição Federal separa claramente dois tipos de análise: primeiro, o caso em que as contas de governo dos chefes do Poder Executivo recebem um parecer prévio técnico dos tribunais de contas e um julgamento político pela Casa Legislativa.
Já no segundo caso, das denominadas contas de gestão ou de ordenador de despesas, aquele que geriu recursos públicos inclusive se for o prefeito será submetido a um julgamento técnico pelos tribunais.
Os gestores cujas contas são julgadas irregulares pelo tribunal têm seu nome e processo cadastrados numa lista que, antes de cada eleição, é encaminhada ao Tribunal Eleitoral para que, com base na Lei da Ficha Limpa, sejam declarados inelegiveis.
Agora, o STF decidiu que o julgamento das contas dos prefeitos, seja no caso das contas de governo ou de gestão, será exercido pelas câmaras municipais, através do julgamento Ou seja, se o ordenador de despesas for prefeito, o julgamento técnico do tribunal não servirá mais para incluí-lo na denominada lista dos inelegíveis.
É impossível, como cidadão e dirigente de um órgão de controle externo, não demonstrar min ha perplexidade com essa decisão do STF que ameaça seriamente a Li da Ficha Limpo, originária da iniciativa popular e um dos símbolos da luta de nossa sociedade pela moralidade administrativa.
Caso tenham grande influência política sobre o Poder Legislativo, maus gestores poderão conseguir facilmente a maioria parlamentar para a aprovação de suas contas. Isso obriga que cada eleitor investigue a vida de seu candidato; do contrário, poderá acabar votando em um mau administrador público. Antes da decisão do STF a Justiça Eleitoral podia afastar sua candidatura em face da reprovação de suas contas pelo tribunal. Agora, ele poderá se candidatar, até que a Câmara Municipal as reprove. As decisões técnicas dos tribunais de contas têm efeito preventivo e punitivo. Qual o interesse que os dirigentes terão agora de fazer tudo corretamente, para não constar das listagens dos tribunais de contas? Que agente público vai querer tirar dinheiro do próprio bolso para devolver aos cofres municipais e pagar as multas aplicadas, se não existirão maiores consequências? A desvalorização do critério técnico em prol do julgamento politico desfavorece a meritocracia e a moralidade administrativa. Mas cabe à sociedade discutir esse assunto e lutar pelo caminho que melhor a guiará na busca do processo democrático.
*Jonas Lopes de Carvalho Junior é presidente do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro