A edição da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000 – representou um marco na gestão das contas públicas no Brasil e garantiu uma administração mais transparente e equilibrada. Ao longo de todos esses anos, a LRF buscou impedir que os governantes fizessem dívidas que não pudessem ser pagas dentro dos seus mandatos. Ela visa a garantir a governabilidade de estados e municípios. Se muitos entes federados estão hoje numa situação difícil, sem a LRF essa situação poderia ser catastrófica.
Dos aprimoramentos introduzidos pela lei na administração pública destacam-se o estabelecimento de metas, limites e condições para a gestão de receitas e despesas públicas; a definição de punições e correção de desvios do administrador responsável; o estabelecimento da necessidade de previsão orçamentária; a definição de um limite de gastos com funcionalismo e a imposição de um teto para a dívida de estados e municípios.
Contudo, hoje, a LRF sofre sérias ameaças com a propositura de diversos projetos de lei – um deles sob a análise da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado – com o objetivo de flexibilizar seus critérios, o que pode acarretar na mudança do cenário político e normativo nacional, significando possíveis e iminentes permissividades para o desequilíbrio das contas públicas.
Com a sanção presidencial do projeto de lei que altera a indexação do refinanciamento de dívida dos estados e municípios, haverá a redução das dívidas dos governos regionais, em prejuízo do estabelecido nos contratos com a União, permitindo que contraiam novas dívidas, postergando a conta para as administrações vindouras. Além disso, ao alterar o art. 14 da LRF, autoriza uma flexibilização na permissão de renúncia fiscal sem a compensação, reduz o prazo para a demonstração de impacto orçamentário-financeiro e cria exceções às restrições legais para a concessão de benefícios mediante renúncia fiscal.
Ao mesmo tempo, o Governo Federal envia um projeto que altera a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para contornar as regras da LRF e se desobrigar de fazer qualquer esforço fiscal para a realização de superávit primário. Um dos objetivos da LDO é justamente a obtenção do equilíbrio entre receitas e despesas. Admitir o déficit primário é uma infração grave à lei orçamentária e um desrespeito aos princípios que regem a responsabilidade fiscal.
Além de todos os perigos implícitos para a política macroeconômica nacional, os movimentos que o Executivo e o Legislativo vêm fazendo no sentido de desfazer a rede de segurança fiscal criada pela LRF abrem um precedente para os governos regionais e colocam em risco toda a evolução conquistada nas últimas décadas para a transparência e equilíbrio das contas públicas.
É inadmissível que os órgãos de controle e os cidadãos não se manifestem contra este cenário que se avizinha.
*Jonas Lopes de Carvalho Junior é presidente do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ)
Artigo publicado no O Globo em 27 de novembro de 2014