João Antonio da Silva Filho
“A regulamentação das plataformas sociais é, sem dúvida, um passo crucial para limitar o poder excessivo das Big Techs. Ao estabelecer regras claras sobre a coleta de dados, a moderação de conteúdo e a transparência de algoritmos, os governos podem, em certa medida, reequilibrar o jogo. Contudo, a regulamentação isolada não é suficiente para garantir a verdadeira soberania digital.”
O avanço das tecnologias digitais, especialmente por meio de redes sociais, sites de busca, e-commerce (comércio eletrônico) e outros dispositivos, transformou profundamente a vida moderna. Esses recursos, oferecidos predominantemente pelas Big Techs, consolidaram um poder econômico e cultural sem precedentes. Empresas como Google, Facebook, Amazon e Apple, entre outras, estão presentes em diversas dimensões de nossa rotina, alterando desde hábitos de consumo até a maneira como interagimos com o mundo ao nosso redor. No entanto, esse crescimento econômico e a presença global dessas corporações levantam questões complexas sobre o equilíbrio entre a soberania dos Estados Nacionais e o poder dessas gigantes tecnológicas.
A globalização, que começou como um fenômeno econômico, também se estendeu ao campo da informação. As Big Techs, com seus vastos bancos de dados e algoritmos, passaram a concentrar um poder de influência que transcende fronteiras, regulamentações e, em alguns casos, os próprios governos. Através de suas plataformas, essas empresas moldam opiniões, direcionam narrativas e impactam diretamente o fluxo de informações. Isso tem levado a um dilema sobre quem, de fato, controla as regras do jogo em um mundo onde a informação se tornou um dos bens mais valiosos.
A capacidade dessas empresas de coletar dados pessoais em grande escala, além de sua atuação em áreas sensíveis como a inteligência artificial, segurança e privacidade, gera uma situação em que muitas vezes os governos se veem limitados em sua capacidade de regulamentação. Em alguns casos, a interferência dessas corporações em decisões políticas ou sociais tem sido evidente, como a suspensão de contas em redes sociais de figuras públicas ou o bloqueio de aplicativos em determinadas jurisdições. Isso levanta o questionamento sobre quem detém o verdadeiro poder em uma sociedade cada vez mais interconectada e digitalizada.
Com o aumento da influência das Big Techs, surge um debate inevitável sobre o futuro da soberania digital. Estados Nacionais têm buscado maneiras de regulamentar o setor tecnológico, como vimos com a GDPR na Europa e iniciativas similares em outras regiões, mas o ritmo lento das regulações não acompanha a velocidade com que essas empresas inovam e expandem. Essa discrepância coloca em risco a capacidade dos governos de garantir a soberania sobre suas infraestruturas digitais, deixando muitas nações vulneráveis à interferência externa e à perda de controle sobre suas informações e recursos estratégicos.
O futuro da política e da soberania em um mundo cada vez mais digitalizado ainda é incerto. A relação entre governos e grandes corporações tecnológicas provavelmente se tornará uma das principais arenas de disputa política nas próximas décadas. Para preservar a autonomia dos Estados, será necessário desenvolver novos mecanismos de regulamentação e colaboração internacional. Caso contrário, o cenário poderá ser o de um enfraquecimento progressivo das nações frente ao crescente poder das Big Techs, colocando em xeque o próprio conceito de soberania estatal.
A regulamentação das plataformas sociais é, sem dúvida, um passo crucial para limitar o poder excessivo das Big Techs. Ao estabelecer regras claras sobre a coleta de dados, a moderação de conteúdo e a transparência de algoritmos, os governos podem, em certa medida, reequilibrar o jogo. Contudo, a regulamentação isolada não é suficiente para garantir a verdadeira soberania digital. A velocidade com que essas empresas inovam e sua capacidade de operar globalmente requerem ações coordenadas entre nações, além de mecanismos de fiscalização eficazes, para que os Estados possam recuperar parte do controle sobre o ecossistema digital que afeta diretamente suas populações.
No entanto, o verdadeiro restabelecimento da soberania só ocorrerá quando os Estados Nacionais se tornarem competitivos também no campo digital. Isso significa investir pesadamente em inovação tecnológica, fomentar a criação de plataformas locais e desenvolver infraestruturas digitais robustas. Somente quando os governos conseguirem oferecer alternativas tecnológicas viáveis e seguras, além de colaborarem entre si para estabelecer padrões globais que promovam uma internet aberta e justa, a soberania poderá ser realmente reestabelecida. Esse é o grande desafio da era digital: não apenas limitar o poder das Big Techs, mas garantir que as nações mantenham autonomia sobre suas infraestruturas e informações estratégicas.
João Antonio da Silva Filho é mestre em filosofia do direito e doutor em direito público, conselheiro do Tribunal de Contas do Município de São Paulo e vice-presidente da ATRICON – Associação dos Membros dos Tribunais do Brasil.