As cartas e o orçamento

As monarquias estão na pauta. Do Reino Unido, com a morte da Rainha, o desafio de dar continuidade aos longevos 70 anos sob a liderança de uma Chefe de Estado que, pelos atributos pessoais, conseguiu preservar o sentimento de nação do seu povo. Por aqui, o último 7 de Setembro marcou o Bicentenário da Independência, ocasião que trouxe a debate o nosso passado colonial, monárquico e as causas da emancipação.

Merece leitura o livro “Adeus, Senhor Portugal”, de Rafael Cariello e Thales Zamberlan, citado neste JC pela fecunda pena de Gustavo Krause. Os autores evidenciam como as crises econômicas e fiscais forjaram as lutas políticas e sociais que culminaram com a queda do regime absolutista.

Mesmo sendo um republicano convicto, aproveito o mote dos referidos temas para trazer passagens emblemáticas de duas cartas enviadas por Dom Pedro II, quando viajou aos EUA, Canadá e Europa, entre 1876/77, à Princesa Isabel. Nas reflexões e conselhos tipicamente republicanos à sua filha Regente, o tema do orçamento público ganhou relevo:

25.3.1876 — O orçamento ainda é muito irregularmente feito, e minha opinião é que cesse por lei a autorização ao governo para a transferência de umas verbas para as outras, e créditos extraordinários. Dou tamanha importância a uma estrada de ferro para Mato Grosso, que não posso deixar de recomendar insistentemente que se cuide de sua melhor direção e construção, embora lenta; conforme o permitam os recursos do Tesouro. O estado deste exige muita economia; isto é, gastar com o maior proveito.

3.5.1876 — Os Ministérios gostam de apresentar às Câmaras orçamentos em que não haja déficit; para o qual calculam as despesas muito abaixo, que depois vão suprindo por meio de créditos, que, mesmo por causa desse cálculo errado, poucas vezes são abertos sem infração da lei… Cumpre estudar esse mecanismo, e evitar semelhantes ilusões, e concorrer para a maior economia, que não consiste em gastar pouco, mas do modo o mais produtivo.

Qualquer semelhança com a nossa atual crise orçamentária e fiscal não é mera coincidência. Aprendemos pouco, vide a prática disfuncional do orçamento secreto; a não inclusão, na proposta da LOA/2023, da prorrogação do auxílio emergencial; a artificial decretação de estado de calamidade como justificativa para a abertura de créditos extraordinários fora do teto e em período eleitoral; o remanejamento de despesas essenciais em cultura, ciência e tecnologia; a criação de despesas sem fonte de recursos e a incipiente avaliação da eficiência das políticas públicas. 

Valdecir Pascoal – Conselheiro do TCE-PE