Assim falou a Transparência

Este período do ano é muito significativo para mim. Em três dias, celebraremos a República, essa forma de governo marcada pela supremacia do interesse público, pelo Estado de Direito, separação dos Poderes, responsabilidade dos governantes perante os cidadãos e pela existência de mecanismos de controle. Logo, os deveres de praticar bom governo, de prestar contas e de ser fiel a mim são todos filhos da República.

Mas também não posso esquecer de 5 de Outubro, que marca a promulgação da Constituição de 1988. Há poucos dias, comemoramos seus 35 anos. A ela devemos a restauração de nossa Democracia e a criação de importantes instrumentos de participação cidadã. Foi ela também que ressignificou nossa República, ao consagrar, por exemplo, os princípios da Administração Pública (legalidade, moralidade, impessoalidade, eficiência e publicidade), ao tempo em que fortaleceu o papel de órgãos de controle, como os Tribunais de Contas (TCs).

Aquela “publicidade”, mencionada nos referidos princípios, sou eu, embora prefira ser chamada de “Transparência”, por simbolizar uma ideia mais ampla, contemplando, além das formalidades, uma postura mais ativa em relação à divulgação dos dados, aliada à preocupação com a clareza das informações para facilitar a compreensão da população. Foi a Constituição ainda que determinou a elaboração de leis fundamentais para o meu progresso, a exemplo da LRF e da LAI – Lei de Acesso à Informação. É da minha natureza gostar de aparecer, mas devo evitar narcisismos. Não sou absoluta. Aprendi, lendo o Livro de Eclesiastes, que há contextos nos quais preciso de limites. Existem situações em que dados sensíveis de pessoas públicas e privadas devem ser preservados em nome dos direitos à privacidade e à intimidade, valores tão fundamentais quanto os que defendo. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) foi um avanço, e esclareço que ela não é minha inimiga. Caminhamos juntas e, ao seu lado, tenho a certeza de não cometer excessos.

Volto ao fio da meada. Lembrando o famoso “cogito cartesiano”, concluo: penso em República e Democracia, logo existo. Sou fruto delas e, ao mesmo tempo, assumo a responsabilidade de protegê-las. Para tanto, costumo agir em algumas frentes. Primeiro, estimulando a fidelidade dos governantes às minhas regras, fazendo-os agir, de antemão, com zelo e retidão. Assim, eu previno atos de corrupção e outras formas de má utilização dos recursos públicos. Em outra vertente, ajudo os órgãos de controle a comprovar os desvios e a sancionar os que trilham caminhos não republicanos. A propósito do combate à corrupção, abro um parêntese para lembrar o alerta feito pela OCDE, em recente relatório sobre o Brasil: não se  combate a corrupção sem respeito às leis, nem quando os agentes de controle agem com viés político; ao mesmo tempo, é preciso evitar a impunidade e o enfraquecimento deliberado dos controles.

Falei dessas vertentes de minha atuação, mas confesso que os meus olhos brilham de modo especial, qual um sol de primavera, ao ver o quanto posso ser útil aos cidadãos, sobretudo quando forneço informações necessárias para que saibam como seus recursos são aplicados, quais os resultados das políticas públicas e se os gestores atuam corretamente em nome deles. Longe de ser arrogante, mas esse controle social não é viável sem minha presença. É imensurável o prazer de ajudar a transformar a vida das pessoas e, ao mesmo tempo, neste contexto de múltiplas crises, poder gerar maior confiança nos governos.

Devo reconhecer que, nesta missão, tenho como grande aliado os Tribunais de Contas. Nossa primeira parceria se dá quando esses órgãos apreciam, por meio de processos de contas, o cumprimento de minhas regras pelos gestores. Mas eles foram além. Sendo os maiores detentores de dados e informações da Administração, os TCs mantêm portais na internet que atuam em meu nome, voltados para a sociedade. Um exemplo é o “Tome Conta”, do TCE-PE, recentemente aprimorado para ficar ainda mais completo e acessível. Um fato digno de nota: não há julgamento de contas, ações penais e de improbidade, denúncias ou matérias jornalísticas relacionadas ao controle da gestão, em Pernambuco, sem que o “Tome Conta” esteja mencionado. 

Destaco também o Programa Nacional de Transparência Pública desenvolvido pela Atricon (Associação dos Membros dos TCs), TCE-MT e TCU, com o apoio de todos os Tribunais de Contas e das entidades do controle externo nacional. Lançado em 2022, o programa analisou os portais de mais de oito mil órgãos públicos nos três Poderes da União, Estados, DF e Municípios.  A partir deste levantamento, criou-se o site “Radar da Transparência Pública”, uma espécie de “portal dos portais”, a ferramenta mais completa do gênero na Administração Pública brasileira. Amanhã, 13 de novembro, um presente para a República e para a cidadania: a divulgação de um novo diagnóstico, desta vez incluindo dados sobre renúncias fiscais, governo digital e LGPD. Fique de olho em: transparencia.atricon.org.br.

A minha caminhada não tem sido fácil. Mesmo assim, fatos como os mencionados acima me fortalecem e merecem ser divulgados e celebrados.

Valdecir Pascoal – Conselheiro do TCE-PE