“Tribunal de Contas, corpo de magistratura intermediária à Administração e à Legislatura que, colocado em posição autônoma […], cercado de garantias […], possa exercer as suas funções […], sem risco de converter-se em instituição de ornato aparatoso e inútil.” (Rui Barbosa, 1890)
Nascidos no alvorecer da República, os Tribunais de Contas ainda tiveram, por longa data, sua atuação contida pelo renitente espírito monárquico e pelo ambiente autoritário que marcaram boa parte do século passado.
A rigor, os ideais preconizados por Rui Barbosa, patrono dos Tribunais, só começariam a florescer com a redemocratização e com a Constituição Cidadã de 1988, oportunidade em que os Tribunais de Contas assumiram novas atribuições, que demandaram uma total reformulação do conceito dessas instituições, impondo-lhes a obrigação de serem mais ágeis, eficazes e efetivas na prestação do serviço de controle, seja quando fiscalizam a legalidade das despesas ou quando verificam a efetividade social das políticas públicas. Tendo suas atribuições fixadas a partir de um arcabouço constitucional de aplicação obrigatória para os 34 Tribunais, para melhor desempenhar as suas funções surgiu a necessidade de se estabelecerem padrões de qualidade de atuação, que, resguardada a autonomia federativa, exigiram que as Instituições trilhassem uma estrutura sistêmica.
Ao longo dessa caminhada, surge a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas (Atricon, 1992), de início voltada a uma atuação corporativa em defesa dos seus associados. Aos poucos, a partir da implantação do Programa de Modernização do Sistema de Controle Externo (Promoex, 2005), mas sobretudo com a significativa mudança estatutária em 2011, a Atricon completa a inflexão e passa, precipuamente, a liderar ações com vistas ao fortalecimento do Controle Externo e ao aprimoramento do “Sistema Tribunais de Contas”.
Como ápice desse novo papel, a Atricon, com o apoio de entidades parceiras, como o Instituto Rui Barbosa, e dos próprios Tribunais, realiza o primeiro grande diagnóstico das instituições em 2013, abrigado em um ousado projeto que visava promover a qualidade e agilidade de todos os Tribunais de Contas. Iniciativa relevante, na medida em que assentou as bases para um aprimoramento institucional sem a necessidade de qualquer alteração constitucional ou legal, o processo contou naquela ocasião com a adesão de 28 dos 34 Tribunais de Contas, que espontaneamante abriram suas portas para um processo avaliativo inédito.
Dado o seu retumbante êxito, em 2014 o processo é ampliado, transformando-se no Programa de Qualidade e Agilidade dos Tribunais de Contas (QATC), do qual passam a fazer parte dois produtos distintos: as Resoluções-Diretrizes da Atricon, aprovadas durante o IV Encontro dos Tribunais de Contas (2014) e o Marco de Medição do Desempenho dos Tribunais de Contas do Brasil (MMD-TC).
O MMD-TC constitui-se em uma versão aprimorada do diagnóstico anterior, tendo como referência metodológica o SAI-PMF (Supreme Audit Institutions – Performance Measurement Framework), ferramenta desenvolvida pela Associação Internacional das Entidades Fiscalizadoras Superiores (Intosai).
Com efeito, o MMD-TC customizou a ferramenta da Intosai ao incluir indicadores relacionados às Resoluções-Diretrizes da Atricon e excluir outros que só se aplicam ao modelo de Controladorias e Auditorias Gerais.
Essa evolução e adaptação promovida por uma comissão de membros e servidores especialistas no tema propiciou a construção da melhor e mais moderna ferramenta de avaliação dos Tribunais de Contas brasileiros. Esse diagnóstico é composto de 27 indicadores, subdivididos em mais de 500 critérios de avaliação referentes a boas práticas de organização e funcionamento dessas instituições, compreendendo uma completa radiografia de todas as suas áreas, a exemplo de: composição constitucional, prazo para julgamento de processos, controle preventivo, normas e qualidade da auditoria, planejamento estratégico, comunicação e transparência, atuação de corregedorias e ouvidorias, controle interno e impactos para a sociedade.
Neste ano de 2015, o MMD-TC já conta com a adesão de 31 Tribunais de Contas, os quais, com a garantia da Atricon, realizarão suas auto-avaliações até agosto de 2015. Em dezembro, durante o Congresso Nacional dos Tribunais de Contas, em Recife, o diagnóstico geral será apresentado.
A despeito de se continuar travando o bom e democrático debate sobre possíveis aprimoramentos constitucionais, a exemplo da necessidade da criação de um Conselho Nacional para os Tribunais de Contas, é forçoso reconhecer os avanços alcançados até aqui e o horizonte alvissareiro de excelência institucional que já se descortina, de forma sistêmica, com a aplicação e os resultados do MMD-TC. O que se pretende, afinal, é que deixemos para um passado longínquo todos os resquícios de “Cortes aparatosas” e passemos a ser, cada vez mais, Tribunais republicanos, exemplos de transparência e atuando a serviço da boa governança pública, da ética e, sempre, ao lado do cidadão.
*VALDECIR PASCOAL é conselheiro presidente da Atricon e do TCE-PE.