Em entrevista ao Jornal O Globo, publicada nesse domingo (20), o presidente da Atricon, conselheiro Valdecir Pascoal defendeu a atuação dos Tribunais de Contas no país e afirmou: “A crítica mais forte tem partido de segmentos que estão a serviço de ideologias pouco republicanas e de grupos poderosos, de setores que não querem ser fiscalizados, daqueles que estão incomodados com essa fiscalização cada vez mais firme e técnica, que tem protegido os cofres públicos da ineficiência e da gana de malfeitores, verdadeiros cupins da República. Isso não quer dizer que os TCs são perfeitos e infalíveis. O sistema Tribunal de Contas pode ser aprimorado, como outras instituições, mas tenho a convicção de que desconhecimento ou a má fé são os principais ingredientes desta injusta avaliação”.
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A entrevista foi concedida ao jornalista Chico de Gois que assina uma série de reportagens sobre os Tribunais de Contas, esta semana, no Jornal O Globo. O presidente da Atricon respondeu a seis perguntas, enviadas por e-mail pelo jornalista. Confira abaixo a íntegra da entrevista.
1- Algumas ONGs defendem o fim dos tribunais de contas – considerados por elas como “tribunais do faz de conta”. Como o sr. avalia isso?
Valdecir Pascoal — Essa critica irresponsável e desconstrutiva parte normalmente de dois segmentos. Primeiro, daqueles que ignoram completamente o papel constitucional dos Tribunais de Contas (TCs) e os importantes avanços de sua atuação fiscalizadora. Ignoram, por exemplo, as ações preventivas em licitações e contratos de obras públicas, que têm evitado bilhões de prejuízos aos cofres públicos, na medida em que determina a correção dos sobrepreços em editais ou em aditivos contratuais. Ignoram também que a efetividade da Lei da Ficha Limpa se deve, em grande medida, ao controle exercido pelos TCs. Recente estudo da USP indica que a rejeição de contas pelos TCs tem sido a causa mais efetiva para a declaração da inelegibilidade de agentes públicos. No entanto, nos últimos anos, justamente em razão desses nossos avanços, a crítica mais forte tem partido de segmentos que estão a serviço de ideologias pouco republicanas e de grupos poderosos, de setores que não querem ser fiscalizados, daqueles que estão incomodados com essa fiscalização cada vez mais firme e técnica, que tem protegido os cofres públicos da ineficiência e da gana de malfeitores, verdadeiros cupins da República. Isso não quer dizer que os TCs são perfeitos e infalíveis. O sistema Tribunal de Contas pode ser aprimorado, como outras instituições, mas tenho a convicção de que desconhecimento ou a má fé são os principais ingredientes desta injusta avaliação.
2- Uma das principais críticas que se fazem sobre os TCEs é que eles são integrados, em sua maioria, por ex-políticos. O que o sr. acha disso?
Valdecir Pascoal — Se compararmos o modelo de composição dos TCs previsto na Constituição Federal de 1988 com o existente em outros países, concluiremos que ele é avançado. Mescla indicações oriundas das carreiras técnicas (1/3) e outras do Poder Legislativo (2/3). Não esqueçamos que a este último pertence a tirularidade do Controle Externo. Em certa medida, trata-se de um modelo de composição até mais avançado que o do STF. A rigor, a crítica recai mais fortemente sobre os TCs em razão de herdarmos a própria crise de representatividade da democracia ocidental. Muitas pessoas veem com desconfiança a política partidária e transferem, automaticamente, a crítica para os TCs, mesmo sem apontar claramente os casos em que as decisões dos membros contrariaram o ordenamento jurídico. A esmagadora maioria dos Ministros e Conselheiros oriundos do Legislativo atende aos requisitos constitucionais. Por outro lado, é forçoso reconhecer que uma minoria dessas indicações são realizadas sem a observância dessas exigências, especialmente a idoneidade moral e a reputação ilibada. Por isso, a Atricon (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil) está discutindo internamente uma proposta de Emenda à Constituição que passe a exigir os critérios da Lei da Ficha Limpa para seus membros, que exija quórum qualificado para a sabatina dos indicados e que estabeleça o predomínio de membros oriundos de suas carreiras técnicas no seu Colegiado, tal qual já acontece no Poder Judiciário.
3- Entre os atuais conselheiros de Tribunais de Contas dos Estados há vários membros que respondem a processos por improbidade administrativa, corrupção, formação de quadrilha e até mesmo há quem já foi condenado por homicídio. Está morta a exigência constitucional de “reputação ilibada” para integrar um tribunal como esse?
Valdecir Pascoal — Afirmo que o número de membros de TCs que respondem a processos não difere muito daqueles observados em outros poderes. Isso não nos orgulha. Causa-nos preocupação, sim. No entanto, não podemos esquecer o princípio da presunção de inocência. Acusado não é condenado. A Atricon defende uma apuração célere e justa dos casos em andamento e que os declarados culpados, a partir de um devido processo legal, sejam punidos por seus crimes e banidos da vida pública. Defende também que os Poderes responsáveis, antes da escolha, façam uma avaliação criteriosa da vida pregressa do indicado, sem falar que os próprios TCs devem negar posse àqueles indicados sem a observância dos critérios constitucionais.
4- Como está a tramitação da PEC 28/2007? O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), no ano passado, mostrou-se favorável a colocá-la em votação, mas o projeto parou. O sr. acredita que essa matéria ainda vá ser votada neste ano?
Valdecir Pascoal — A criação de um conselho nacional (CNTC) nos mesmos moldes do CNJ para os TCs é fundamental para o nosso aperfeiçoamento. Ajudará a coibir desvios éticos e exigirá de todo o sistema um padrão de atuação baseado em resultados que impliquem qualidade e agilidade do processo de controle. Mesmo sabendo das dificuldades de pauta em ano eleitoral, faremos todo o possível para sensibilizar o Congresso Nacional a votar a proposta. A PEC 28 está mais adiantada e é a que mais se aproxima de um modelo ideal de competências e composição. Todavia, desde a gestão passada, a Atricon deliberou no sentido de propor a exclusão dos membros do Ministério Público de Contas da jurisdição do CNTC, considerando que sua vinculação está mais afeta ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
5- A criação de mais uma entidade, com dinheiro público, seria benéfica para a sociedade de qual forma?
Valdecir Pascoal — Neste caso, penso que o custo-benefício, levando em conta a maior efetividade do controle e a consequente melhoria da governança pública, seria positivo. As experiências do CNJ e do CNMP comprovam isso. Não resolveram todos os problemas e desafios do Judiciário e do Ministério Público, mas contribuem decisivamente para uma melhor prestação do serviço público. No caso dos TCs, a necessidade é até maior, considerando as assimetrias indesejadas que ainda existem de Tribunal para Tribunal e também porque não há um órgão estatal competente para estabelecer e exigir condutas e procedimentos de atuação entre eles. Instituições como a Atricon e o Instituto Rui Barbosa colaboram muito para reduzir essas diferenças, recomendando a adoção de procedimentos e de boas práticas, mas sem o poder de obrigá-los.
6- O fato de os processos de contas transitarem em segredo, até o acórdão, não pode facilitar eventuais acertos entre administradores com problemas nas contas e conselheiros mal intencionados, como acusam algumas ONGs?
Valdecir Pascoal – No inédito diagnóstico realizado, em 2013, em 28 Tribunais pelo Projeto Qualidade/Agilidade dos Tribunais de Contas (estudo disponível no site: www.atricon.org.br), a Atricon detectou que 50% deles já divulgam os relatórios técnicos antes do julgamento dos processos pelas instâncias decisórias. Existem argumentos jurídicos razoáveis para a divulgação antes ou depois do julgamento pelo colegiado. No entanto, embora o tema continue na pauta dos nossos debates, a Atricon vem recomendando aos Tribunais que divulguem o teor dos relatórios de auditoria após a apresentação da defesa dos administradores. Essa posição de equilíbrio busca atender o princípio da transparência, robustecido com a lei de acesso à informação, e o direito à defesa e ao contraditório.