Audiência Pública sobre atenção primária à saúde reúne sociedade e especialistas no TCE-RS

O Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS) realizou, nesta quinta-feira (06), Audiência Pública sobre atenção primária à saúde – limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Na abertura do evento, o presidente da Corte, Cezar Miola, destacou que o propósito do encontro é oportunizar a explicitação dos diferentes e legítimos olhares sobre a complexa temática.

“Esse ambiente oportuniza múltiplas manifestações e propicia subsídios para os debates e iluminem os posicionamentos dos técnicos e magistrados para a qualificação de nossas deliberações em uma área na qual a sociedade legitimamente exige serviços em níveis crescentes de amplitude e qualidade, o que se configura em um desafio para a administração pública, dada a dificuldade em equacionar essa oferta frente aos limites que a legislação fiscal impõe”, ponderou.

Com objetivo de recolher contribuições para aperfeiçoar as ações de fiscalização do TCE-RS quanto ao direito fundamental à saúde pública, a auditora substituta de conselheiro, Daniela Zago Gonçalves da Cunda, destacou que o setor, assim como a educação, são direitos fundamentais e devem ser interpretados de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana, como consta na Constituição Brasileira. “Queremos, com essa audiência pública, fomentar o debate sobre a aplicação do mínimo constitucional e a equidade de distribuição dos recursos. A saúde não é apenas um direito fundamental, mas também deve ser visto como direitos humanos”, disse.

A busca pela redução das desigualdades de investimentos e o equilíbrio entre a lei e a responsabilidade social nessa área tão sensível dos municípios foi objeto de estudo dos auditores públicos externos Gonçalino Mesko da Fonseca e Luis Fernando Doerr. O desequilíbrio existente entre a devolutividade do ICMS (pela União) aos municípios e a iniquidade existente entre eles, no que se refere à disponibilidade de recursos para investimento nesta área, é considerado extremo. “Cidades com perfis econômicos e sociais completamente distintos recebem os mesmos recursos, com responsabilidades bastante distintas”, explicou Fonseca. Ele comentou que os diagnósticos obtidos e os comparativos estabelecidos entre os municípios gaúchos apontaram diferenças gritantes. Para o auditor, o atrelamento à Lei de Responsabilidade Fiscal impede, muitas vezes, que os municípios possam dar continuidade às ações de saúde preventivas, como a manutenção das Equipes de Saúde da Família (ESF), ponto destacado também por Doerr, que salientou o fato de os municípios trabalharem com 49% a 50% dos seus recursos comprometidos com gastos de pessoal. “Em muitos casos, os prefeitos, para atuarem de acordo com a legislação, não podem investir, deixando a população desassistida”, disse. No entanto, não são raros os casos, segundo Doerr, em que administradores extrapolam os índices estabelecidos por lei para garantir a assistência digna ao cidadão. “Defendemos que nestas situações, em que os recursos investidos são para dar suporte a repasses vinculados a programas e projetos da União, sejam avaliados de forma a não extinguir os contratos. Do contrário, quem perde é a população, e estaremos infringindo o artigo 3º da Constituição, que é reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem estar de todos”, argumentou.

De acordo com a secretária de Saúde do Rio Grande do Sul, Sandra Fagundes, no estado foi criado um ranking de vulnerabilidade social dos municípios. “Há uma ação de solidariedade, há um entendimento de que é preciso fazer um adensamento tecnológico nas unidades básicas de saúde e de acordo com a realidade de cada município. Os mais vulneráveis recebem mais recursos”, contou. Segundo ela, a cobertura da atenção básica no RS está em 67% da população, tendo sido investidos R$ 454,6 milhões entre 2011 e 2013.

O exemplo de Minas Gerais e o Sistema Único de Saúde

O conselheiro vice-presidente do TCE- MG, presidente do Instituto Rui Barbosa e doutor em Saúde Coletiva, Sebastião Helvécio Ramo de Castro, considerou em sua fala a seriedade que o país precisa adotar quanto à atenção básica para o entendimento da saúde pública e ressaltou as limitações impostas pela LRF aos municípios. “Há uma ansiedade entre a relação de gestão e controle. Esses, não podem ter como objetivo o formalismo, mas o exercício da política social a favor do cidadão”, enfatizou. Nesse sentido, o TCE-MG já desconsidera os municípios que extrapolam o limite apontado pela lei com gastos de pessoal, referente ao atendimento do Programa Saúde da Família.

Foram pontuadas também as ligações com os vários setores que envolvem a saúde pública, a indústria farmacêutica e a mudança na estrutura do Sistema Único de Saúde. “O SUS precisa deixar de ser financiador de hospitais e remédios, para passar a um modelo que valorize a atenção básica e à saúde preventiva”, ressaltou.

O formato do Sistema Único de Saúde (SUS) também foi comentado pela doutora em Saúde Pública e especialista em Direito Sanitário, Lenir Santos. Para ela, o problema do Brasil está no fato de o modelo desenvolvido ter sido extraído do formato italiano, sendo que os dois países têm estados democráticos diferentes, um federativo e o outro unitário. “As competências continuam concentradas na União, junto com os recursos. Com os repasses centralizados, os entes federativos são tratados como prestadores de serviços. O governo federal acaba dando aos municípios somente os fins e não os meios, transformando o funcionamento do SUS em um sistema bipolar”, defendeu.

O repasse de recursos ainda foi questionado pelo representante da área técnica em saúde da Confederação Nacional dos Municípios, Denílson Magalhães. Ele destacou a importância da cooperação técnica e financeira da União e dos estados. “A maior parte das demandas judiciais, provocadas pela sociedade, é contra o município, porque é o ente mais próximo das pessoas, mas, muitas vezes, são serviços que dependem de repasses federais”, observou.