Carta a um novo Alcaide

Inaldo da Paixão Santos Araújo

Caro amigo alcaide, inicio esta carta parabenizando-o pela conquista no último pleito democrático. Quem diria que, em um país onde recentemente tentaram, sem êxito, desestabilizar a credibilidade do nosso inviolável sistema de votação, essas eleições transcorreriam sem percalços? Além disso, desejo-lhe sorte e serenidade para que você possa exercer seu mandato com excelência e compromisso.

Também gostaria de lhe dirigir algumas palavras, se você (que a partir de janeiro, não posso esquecer, precisarei chamar de excelência — mas não se iluda com os títulos e nem com as tentações) assim me permitir.

Será importante que você compreenda que uma boa gestão pública é realizada a partir da fiel observância aos preceitos (visão, missão e valores) estabelecidos no preâmbulo e nos artigos 1º, 3º e 4º da Constituição Federal. Atente também para o fato de que o artigo 37 da Carta Maior estabelece os princípios norteadores da Administração Pública, a saber: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade (Ética), Publicidade (Transparência) e Eficiência. Esses atributos devem ser observados todos os dias, sempre visando ao bem-estar social. 

A avaliação das políticas públicas com a divulgação do objeto a ser analisado e dos resultados alcançados, na forma estabelecida no § 16 desse mesmo mandamento constitucional citado, também é essencial.

Não se esqueça também de que outros aspectos previstos implícita e explicitamente na Constituição incluem a necessidade de planejamento estratégico (qual cidade queremos ter daqui a 10, 20, 30 anos?), a valorização dos servidores públicos, a adequada e transparente prestação de contas e um efetivo sistema de controle interno e externo, o incentivo à participação cidadã com a materialização do controle social e o foco na obtenção de resultados que realmente atendam às necessidades da população. Tudo isso garante não apenas uma boa gestão pública, mas também a sua efetividade.

Para se ter uma boa gestão, no entanto, defina prioridades, estabeleça metas claras e desenvolva processos eficientes e transparentes. Procure contar com a participação ativa dos cidadãos e de servidores capacitados. Não olvide, a modernização da administração por meio da tecnologia da informação é crucial, assim como o controle eficiente das receitas e despesas, priorizando-se, repiso, a transparência, a prestação de contas e a avaliação das políticas públicas. Além disso, aplique, enquanto gestor público, os recursos com responsabilidade, pois isso é fundamental para obter resultados consistentes, valorizando-se, sempre, o cidadão.

Como se depende “de tanta diferente gente”, tenha a consciência de que a capacitação constante dos servidores públicos melhora a tomada de decisões, fortalece a liderança e promove a inovação. Profissionais qualificados lidam melhor com desafios complexos e encontram soluções eficazes para problemas sociais, garantindo uma administração mais eficiente e alinhada às demandas legais e sociais.

Como o objetivo de uma boa gestão pública é melhorar a vida das pessoas, aja sempre para que a sua administração ofereça serviços de qualidade nas áreas de saúde, educação, infraestrutura, limpeza urbana e segurança, para que a população desfrute de uma melhor qualidade de vida e acesse direitos básicos. Essa afirmação é basilar: a boa aplicação dos recursos reflete diretamente no bem-estar da comunidade.

Você enfrentará grandes desafios para promover uma boa administração pública. Entre os principais obstáculos estão a burocracia excessiva, a corrupção, a baixa qualificação técnica, a frágil transparência, a falta de recursos e a resistência a mudanças. As complexas demandas sociais, associadas às limitações orçamentárias (necessidades crescentes x recursos limitados) e à influência política, dificultam, e muito, a implementação de políticas eficazes. Você terá que ser firme ao decidir, mas humilde para reconhecer os erros e, por vezes, voltar atrás.

Compreenda que, em geral, nas cidades do interior, há uma menor arrecadação de impostos e menos acesso a recursos. Portanto há uma maior dependência de transferência de recursos estaduais e federais, o que pode limitar os investimentos. Além disso, essas cidades enfrentam dificuldades em atrair profissionais qualificados e podem ter uma infraestrutura mais precária. Em face de uma maior aproximação entre o governante e os governados, a tendência à cobrança é maior.

Sei que você está preparado para essa messe, porém novos gestores costumam enfrentar dificuldades para se adaptar à estrutura administrativa e às demandas locais, além de sofrerem uma maior pressão por resultados rápidos. 

Por fim, gostaria de deixar-lhe uma mensagem, reforçando tudo o que eu disse: aconselho que você jamais se esqueça dos princípios constitucionais, que priorize orçamentos realistas, que promova a transparência, que garanta a prestação de contas adequada e tempestiva e que mantenha um sistema de controle interno fortalecido e independente. Além disso, que você confie no controle externo exercido pelos Tribunais de Contas, essenciais para assegurar a integridade da administração pública e o uso responsável dos recursos públicos. 

Finalizo desejando-lhe boa sorte e tudo de bom.

Inaldo da Paixão Santos AraújoConselheiro do Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE-BA) e vice-presidente de Auditoria do Instituto Rui Barbosa (IRB)