Composição e escolha dos membros dos TCs – Proposta para uma nova perspectiva

por Daniel Lavareda*

 

1. CONSIDERAÇOES GERAIS:

A Constituição da Republica de 1988, representa para os tribunais de contas, um marco, a pedra angular de sua vital importância para o controle externo brasileiro. Foi ela, a Constituição de 1988, por meio de seus constituintes que disseram um sim de brado gigantesco ao exercício de controle externo por meio dos tribunais de contas. E sua confiança foi tamanha que delegou a esses órgãos uma gama de atribuições nunca antes exercidas pelas cortes de contas brasileiras.

Com efeito, se outrora as cortes de contas do país tinham a função monocórdia e enfadonha de fiscalizar sem nada poder fazer quando constatasse desvio de bens ou valores públicos a não ser o de representar ao Congresso Nacional ou Assembleias Legislativas Estaduais, como se denota pelo texto do §4º do art. 73 da Constituição de 19671, a Constituição de 1988 depositou nas Corte de Contas do País a esperança do povo brasileiro de ser a fechadura do desperdício do dinheiro dos cofres públicos, a sentinela da inoperância do serviço público e a luz, em conjunto com o Ministério Público, do combate à corrupção. Tanto assim o é, que lhe deu status constitucional, lhe destinando não mais um papel de coadjuvante, mas o de coautor na missão de controle dos gastos de bens e valores públicos, lhe destinando dentre outras atribuições a de julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário; aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário; dentre outras previstas no art. 71.

Nessa esteira, o Tribunal que antes verificava apenas a legalidade dos atos e das despesas públicas, passou por força da nova ordem constitucional a também examinar a legitimidade e economicidade desses atos de gestão, podendo, inclusive, susta-los se uma vez impugnado a Administração pública não chegar a adotar medidas para sua correção; suas decisões passaram a ter eficácia de titulo executivo, assim como foi reconhecido pela mais alta Corte do País o poder de expedir cautelar como outorga implícita conferida aos Tribunais de Contas pela Constituição2.

Diante desse novo amálgama criado pelo constituinte aos Tribunais de Contas, tratou o mesmo de dotar seus julgadores das mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens da magistratura nacional, conforme estabelecido no art. 73,§3º, com intuito de possibilitar aos Ministros e Conselheiros das Cortes uma independência funcional até antes não concebida, isso porque o processo de escolha dos Ministros do TCU e Conselheiros dos Tribunais de Contas Estaduais eram feitos exclusivamente pelo Chefe do Poder Executivo o que contaminava a imparcialidade do julgamento pela proximidade de favores entre nomeado e fiscalizado. Uma sinecura, considerando que quem tem o poder de demandar pareceres técnicos ao Tribunal de Contas por motivos políticos pode ter, em consequência, o controle de tal tribunal, através da indicação de seus membros, como bem lembra Ives Gandra Martins3.

Daí porque o constituinte tratou de democratizar o critério de escolha dos membros dos Tribunais de Contas, estabelecendo um equilíbrio de forças entre o legislativo e o executivo, conforme se vislumbra do art. 73, §§ 1º e 2º c/ art. 75 da Constituição Federal, verbis:

Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96.

§ 1º – Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados dentre brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos:

I – mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade;

II – idoneidade moral e reputação ilibada;

III – notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública;

IV – mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados no inciso anterior.

§ 2º – Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos:

I – um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antiguidade e merecimento;

II – dois terços pelo Congresso Nacional.

Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.

Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros.

2. O CRITÉRIO DA IDONEIDADE MORAL E DA REPUTAÇÃO ILIBADA PARA ESCOLHA DOS MEMBROS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS.

Ocorre que, ao estabelecer critérios para o preenchimento da vaga deixou o constituinte originário ao uso do destinatário uma serie de conceitos jurídicos imprecisos ou indeterminados, tais quais: “idoneidade moral e reputação ilibada” e “notórios conhecimentos”, dos quais ao utilizar da discricionariedade para exercer a escolha do novo magistrado de contas, seja o Presidente da Republica ou Governador do Estado, seja o Congresso Nacional ou Assembleia Legislativa, acabaram por se afastar, segundo alguns críticos, do verdadeiro valor da norma na motivação dos seus atos.

Por extração da boa doutrina, conceitos jurídicos imprecisos ou indeterminados são aqueles que cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos4, são conceitos vagos ou imprecisos. Por outro lado, não se deve confundir conceito vago de conceitos ambíguos, como bem lembra o jurista argentino Genaro Carrió5. Diz o eminente jurista:

As dificuldades que uma palavra ambígua pode causar são superadas quando se precisa o sentido em que é empregada, assim, pode se falar em rádio no sentido de aparelho elétrico utilizado para escutar musicas e noticias ou o metal descoberto pelo casal Curie. O contexto em que a palavra é usada, em geral, dissipa a possibilidade de confusão.

No caso de uma palavra ou expressão vaga, a dúvida não se origina na falta de informação acerca de seu objeto, mas no seu campo de aplicação, exemplifica Carrió com os termos: jovem e calvo. Todos sabem os seus significados, no entanto, eles oferecem dificuldades na delimitação em qual a idade em que se deixa de ser jovem e quantos fios de cabelo alguém deve possuir para não ser considerado calvo.”

Como resolver a questão então no campo prático?

Ou seja, como delimitar a discricionariedade do destinatário à aplicar a norma quando se tem um conceito impreciso como idoneidade moral e reputação ilibada. Noutras palavras, qual o critério que se utiliza o Poder Executivo ou Legislativo para avaliar a reputação ilibada e a idoneidade moral de um pretenso candidato ao cargo de Conselheiro ou Ministro dos Tribunais de Contas?

Por conta dessa imprecisão, alguns exageros foram cometidos segundo relatório da ONG Transparência Brasil, produzido em abril de 20146. Para resolver essa questão e delimitar o campo de discricionariedade do executor da norma, entendo da necessidade de produção de uma lei infraconstitucional7 que estabeleça parâmetros de racionalidade e bom-senso para o ato de escolha, expurgando dessa forma o profundo subjetivismo de avaliação dos critérios de reputação ilibada e idoneidade moral, bem como de notórios conhecimentos, dos candidatos ao Cargo de Conselheiro pela autoridade competente em nomea-los e auxiliando, por conseguinte, o Judiciário quando instado a decidir sobre a questão.

Tomando emprestado o exemplo do jurista argentino Genaro Carrió, e concordando com ele, de que se é verdade que não se pode precisar qual a idade, do ponto de vista fisiológico, que uma pessoa deixa de ser jovem, é verdade também, que nosso senso comum há de afirmar que um senhor de oitenta anos é considerado provecto, ainda que do ponto de vista científico possa assim não ser considerado. Ou seja, ainda que os conceitos sejam imprecisos, há um halo de senso comum que deve ser levado em consideração na hora de produzir um ato administrativo tomando por base conceitos imprecisos. E essa deve ser a formula para a produção de critérios legislativos para esclarecer os termos constitucionais de idoneidade moral e reputação ilibada.

Na lição de José Cretella Júnior8,idoneidade moral é o atributo da pessoa que, no agir, não ofende os princípios éticos vigentes em dado lugar e época. É a qualidade da pessoa íntegra, imaculada, sem mancha, incorrupta, pura. Para De Plácido e Silva9, idoneidade e boa reputação são termos que se completam e idoneidade moral “é a que se gera da honestidade ou dos modos de ação das pessoas nomeio em que vivem em virtude do que é apontada como pessoa de bem”.

Ainda sobre o ponto de vista doutrinário, há de citar-se o artigo do professor e ex- Conselheiro do Distrito Federal no ano de 1995, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, intitulado Requisitos para Ministro e Conselheiro de Tribunal de Contas, publicado na Revista de Informação Legislativa nº 126 abr/jun-04, que, analisando os conceitos indeterminados ora em xeque, afirma o seguinte:

a) idoneidade moral e reputação ilibada têm o mesmo sentido de sua acepção vulgar. Idoneidade moral é a aptidão de situar-se no plano dos bons costumes consagrados pela sociedade. ; já reputação ilibada diz respeito ao conceito que a sociedade atribui ao sujeito de ser ¨sem mancha, puro, incorrupto¨ ; b) não se pode concluir que detém reputação ilibada quem esteve envolvido em notícias mal explicadas de riquezas ou transações escusas ; no plano moral, para que se deixe de preencher o requisito, não é necessária a existência de processo condenatório, mas simplesmente que, aos olhos do bonus pater familis, a conduta seja veementemente reprovável ; que o candidato não seja merecedor de crédito suficiente para desempenhar tão elevado cargo.”

Diante dos conceitos acima expostos, não há, para o senso comum, a menor sombra de dúvida que um candidato ao posto de Ministro e Conselheiro não possui idoneidade moral quando tem contra si condenação criminal ou do próprio Tribunal de Contas transitada em julgado quando o tema verse, especialmente, sobre desvio de dinheiro público. Do mesmo modo vale para as decisões administrativas que demitem servidor público por falta funcional grave. Mutatis mutandi, diz-se do candidato prenhe de idoneidade quando contra ele não pesa nenhuma mácula na sua vida pregressa. Em ambos os exemplos há luz, porque há senso-comum.

A dificuldade de estabelecer, entretanto o senso comum é quando aparece uma sombra cinzenta ofuscando a luz. Como é o caso, por exemplo, de candidatos ao posto da magistratura de contas que respondem a processos criminais ainda não transitados em julgado. A inquietude tem como fundamento o art. 5º, inc. LVII, cujo enunciado diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Quid júris?

Sobre o tema especifico já existe manifestação do judiciário até a instância máxima, no caso, o Supremo Tribunal Federal. Convém trazer a tona recente decisão do Judiciário do Distrito Federal, Justiça Federal, em Ação Popular movida em face de vários Senadores da República (Processo nº 2003.34.00.029866-8-), contra a indicação, feita pelo Senado Federal, do nome do Senador Luiz Otávio Oliveira Campos, para o cargo de Ministro do TCU, por não ser ele detentor de reputação ilibada, entre outros motivos. Na decisão deferitória de medida liminar pleiteada, suspendendo o ato impugnado, entendeu o juiz prolator da medida, entre outras coisas, que o ato impugnado é vinculado, podendo o Judiciário verificar se os requisitos objetivos definidos em lei realmente se fizeram presentes e diz ainda que sendo o conceito de reputação ilibada indeterminado, cabe ao aplicador da lei preencher-lhe o significado por meio do exame do caso em concreto pouco importando o desfecho, ou mesmo a existência, de ação penal. As instâncias cível e penal são independentes. Importam apenas os fatos, objetivos, que possam manchar a reputação do réu.

Por outro lado, a falta de idoneidade moral, é muito mais ampla que a reputação ilibada, englobando inclusive os requisitos de decoro dessa. Reflete no comportamento social do postulante ao cargo de Conselheiro que deve ser compatível com a função da magistratura que irá desempenhar.

Nossa proposta seria a de dar tratamento objetivo aos conceitos indeterminados da idoneidade moral e reputação ilibada, emprestando alguns dos impeditivos de um candidato se candidatar ao cargo de Conselheiros, daqueles que regem a inelegibilidade no campo do direito eleitoral, em especial, de dispositivos da lei da ficha limpa, editando emenda nas leis Orgânicas dos Tribunais de Contas, onde seja hibrido o critério no que diz respeito aos que respondam processos judiciais, estabelecendo que: Para efeito de reputa-se ilibada e idoneidade moral, deve o candidato comprovar que:

a) Que não foram condenados ou respondam, pelos crimes:

1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;

2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência;

3. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública;

4. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;

Com relação à proposição acima, defendo a inversão da lógica contida no inciso LVII do art.5º da Constituição Federal, devendo ser observados nessas hipóteses, a prevalência do interesse público sobre a garantia individual da presunção da inocência. Isso porque são crimes sensíveis para o desempenho da toga de Conselheiro e a necessidade do bom exemplo aqui é mais que desejada, é exigida peremptoriamente, constituindo-se em verdadeiro elemento normativo cuja ausência degenera o ato em ilegalidade.

b) Que não foram condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:

1. contra o meio ambiente e a saúde pública;

2. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade;

3. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos;

4. de redução à condição análoga à de escravo;

5. contra a vida e a dignidade sexual;

6. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando;

c) os que não tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário;

d) o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, se decorridos mais de 8(oito anos) de sua renúncia;

e) os que não foram condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena;

f) os que não foram excluídos do exercício da profissão, por decisão sancionatória do órgão profissional competente, em decorrência de infração ético-profissional, pelo prazo de 8 (oito) anos, salvo se o ato houver sido anulado ou suspenso pelo Poder Judiciário;

g) os que não foram demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial, pelo prazo de 8 (oito) anos, contado da decisão, salvo se o ato houver sido suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário;

i) Os que não se dão a embriaguez habitual e uso de entorpecentes, bem como aqueles que possuem comportamento social reprovável.

3. O CRITÉRIO DOS NOTÓRIOS CONHECIMENTOS PARA ESCOLHA DOS MEMBROS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS.

O critério dos notórios conhecimentos ainda que tenha um campo de fluidez menor, merece também uma ação normativa complementar, com vistas a afastar excessos a quando da escolha do futuro Magistrado de Contas. Isso porque a frouxidão na exigência dos notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública por parte das comissões que tem a responsabilidade de peneirar os requisitos dos candidatos nesse particular, tem permitido o ingresso na magistratura de contas de médicos, jornalistas, contabilistas, agrônomos, psicólogos e pessoas portadoras de apenas o ensino fundamental. Não que os portadores de tais diplomas sejam indignos do exercício da magistratura de contas, em absoluto! Mas a verdade é que o legislador constituinte não previu no texto constitucional esses tipos de profissionais para o exercício da toga nos Tribunais de Contas.

Na realidade, esses outros tipos de profissionais vem pela janela ofertada pela Constituição a livre escolha do Poder Executivo ou as vagas destinadas ao Poder Legislativo guiados por uma interpretação equivocada do texto constitucional no que se refere aos notórios conhecimentos de administração pública.

Com efeito, não raro, os escolhidos pelo Poder Executivo e Legislativo em suas livres nomeações, vem com o peso do apadrinhamento político, carregando a função de deputado ou ex deputado, ou secretário de governo, e , como a maioria das vezes, não possuem os notórios conhecimentos jurídicos, contábeis econômicos ou financeiros, se valem, os hermeneutas de plantão, para dizer que os candidatos escolhidos tem conhecimentos notórios de administração pública, porque são ou foram Ministros, Secretários Estaduais, Parlamentar, Prefeito e etc.

Não é bem assim. Não se podem dar dois tipos de interpretação para um mesmo normativo constitucional, ou seja, aos ateus “Lex sed Lex” (a lei é dura mais é a lei) e aos afilhados, “Lex sed látex”( a lei é dura mais pode esticar). A intelecção há de ser lógica para não gerar injustiça. Vejamos os casos dos Auditores e representantes do Ministério Público a quando de sua eleição e escolha para o cargo de Ministro ou Conselheiro do Tribunal de Contas. Ambos estão sujeitos à regra do art. 73 da Constituição Federal. Pois bem, o ingresso na carreira é privativo de advogados para o cargo de Procurador de Contas e limitado às carreiras jurídicas, econômicas, contábeis e de administração para o de Auditor10. Em ambos a pretensão do ingresso exige o diploma de nível superior.

Se e assim para eles (auditores e procuradores) porque seria diferente para os outros? Na realidade a Constituição com intuito de universalizar e democratizar a escolha, acabou dando foice para ceifar esse espírito ao usar a expressão: “ou de administração pública”.

Digo isso porque a exigência reclamada pela Constituição é de que os notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros, sejam cumulativos e, portanto, exigidos juntos com o lapso temporal de 10 anos. Essa gama de conhecimentos cumulativos específicos são muito próprios da experiência do candidato na função publica do controle externo, não que atividades privadas não qualifiquem também candidatos desse jaez. Mas, a Constituição com intuito de universalizar candidatos tanto do setor público como do privado a postulação da vaga usou a expressão de reforço: “ou de administração pública”, que não retira, repise-se, os conhecimentos cumulativos das ciências exigidas como requisito a postulação do cargo.

Como bem lembra José Afonso da Silva:

Não se tem levado em consideração a importância do contexto na interpretação constitucional. A Constituição é um texto que, como qualquer texto, tem o seu ser nas palavras, no seu arranjo, nas suas intenções que nem sempre exprimem com clareza sua intencionalidade. E a função do intérprete está aí precisamente tornar algo que é pouco familiar, distante e obscuro em algo real, próximo e inteligível. O intérprete da Constituição tem que partir da idéia de que ela é um texto que tem algo a dizer-nos que ainda ignoramos. É função da interpretação desvendar o sentido do texto constitucional; a interpretação é, assim, uma maneira pela qual o significado mais profundo do texto é revelado, para além mesmo do seu conteúdo material (Palmer, 53).”11

Nesse contexto, a proposta é encaminhar um projeto de Emenda Constitucional suprimindo e aditando o inciso III do art. 73 da Constituição Federal, com a seguinte redação:

Art. 73- Omissis…

Omissis…

III- Curso superior completo e notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros;

4. O CRITÉRIO DA PROPORCIONALIDADE DAS VAGAS E DOS IMPEDIMENTOS DE ELEGIBILIDADE PARA ESCOLHA DOS MEMBROS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS.

O relatório produzido pela ONG Transparência Brasil de abril de 2014, aponta uma ferida cujas chagas expostas depõem contra a moralidade e imparcialidade do processo de escolha dos Membros dos Tribunais de Contas. Diz o relatório que dos 238 Conselheiros, 42 (17%) tem parentes políticos e 230 dos Conselheiros ocuparam previamente cargos políticos, ou seja, 96,6%!!!

Vejamos que dentre esses dados produzidos há uma conclusão perversa: Os critérios para escolha dos membros dos Tribunais de Contas no campo prático repelem os princípios democráticos insculpidos na Constituição Federal, em especial o da moralidade, impessoalidade e isonomia, para dar vazão a critérios estritamente políticos que nada tem haver com a exigência Constitucional.

No caso da parentela, há clara afronta a Sumula Vinculante nº13 do Supremo Tribunal Federal, que veda a prática de nepotismo no âmbito da administração pública e estende a vedação aos cargos de Conselheiros dos Tribunais de Contas, conforme recente decisão do STF abaixo compilada:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL. DENEGAÇÃO DE LIMINAR. ATO DECISÓRIO CONTRÁRIO À SÚMULA VINCULANTE 13 DO STF. NEPOTISMO. NOMEAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DO CARGO DE CONSELHEIRO DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO PARANÁ. NATUREZA ADMINISTRATIVA DO CARGO. VÍCIOS NO PROCESSO DE ESCOLHA. VOTAÇÃO ABERTA. APARENTE INCOMPATIBILIDADE COM A SISTEMÁTICA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRESENÇA DO FUMUS BONI IURIS E DO PERICULUM IN MORA. LIMINAR DEFERIDA EM PLENÁRIO. AGRAVO PROVIDO.12

I – A vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática, uma vez que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da Constituição Federal.

II – O cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná reveste-se, à primeira vista, de natureza administrativa, uma vez que exerce a função de auxiliar do Legislativo no controle da Administração Pública.

III – Aparente ocorrência de vícios que maculam o processo de escolha por parte da Assembleia Legislativa paranaense.

IV – A luz do princípio da simetria, o processo de escolha de membros do Tribunal de Contas pela Assembleia Legislativa por votação aberta, ofende, a princípio, o art. 52, III, b, da Constituição.

V – Presença, na espécie, dos requisitos indispensáveis para o deferimento do pedido liminarmente pleiteado.

VI – Agravo regimental provido.

De outra banda, não se pode falar em isonomia na disputa quando a vaga destinada ao Congresso Nacional ou Assembleias Legislativas dos Estados e a vaga de livre escolha do Poder Executivo participam agentes políticos de todos os níveis. Como bem lembra Luiz Henrique Antunes Alochio13:

É improvável, senão certo, que um candidato estranho ao corpo votante possa ter o mesmo grau de probabilidade de sucesso na disputa, se um membro do corpo votante for também candidato. A disputa nasceria, assim, maculada.

Um parlamentar-candidato, não deixa de ser “parte do corpo”. Mantém-se membro do corpo eleitor (apenas impedido de votar, isto é: se houver impedimento), e pugnando por votos desde colegiado votante. Eis uma contradição lógica. Uma teratologia.

Para isso, a Constituição sequer precisar vaticinar explicitamente uma regra de proteção à disputa daquelas vagas. Especialmente impedimento que membros do corpo votante participassem da eleição. Não se trata, então de “lacuna da lei”, mas de “silêncio eloquente”. Como refere LARENZ,11 a “lacuna” é uma incompletude da lei. Uma ausência de norma jurídica que possa suprir a necessidade de tratamento da questão. Mas no caso em tela normas há. Em abundância”.

Mas não basta o silêncio eloquente da Constituição. Entendemos que não pode sobrar réstia de dúvidas quanto aos impedimentos já alinhavados referente à parentela e a observância do princípio da isonomia na eleição para o cargo de Ministro ou Conselheiro dos Tribunais de Contas, daí porque, propomos emenda nas Leis Orgânicas dos Tribunais, no seguinte sentido:

– Estão impedidos de concorrer ao cargo de Ministro ou Conselheiros:

a) Os Ministros e Secretários de Estados, Prefeitos, Vice-Prefeitos;

b) Os Senadores, Deputados Federais e Estaduais, salvo se houver renúncia do mandato;

c) Os parentes das autoridades mencionadas nas alíneas anteriores até o 3º grau, independente da vaga ofertada.

No tocante a proporcionalidade das vagas, assaz são as críticas dos estudiosos quanto ao tema. Carlos Maurício Cabral Figueiredo assim se manifestou in “Ética na Gestão Pública. O Papel dos Tribunais de Contas Brasileiros como Agências Accountability. O caso do Tribunal de Contas de Pernambuco”, texto obtido via internet, site Presidência da República:

(…)

É preciso ainda, enfrentar algumas questões que durante muito tempo se constituíram verdadeiros tabus a exemplo de uma composição técnica dos Conselhos dos Tribunais de Contas.

Não se trata de desprezar a participação política, que revela-se essencial. Trata-se de promover um maior equilíbrio entre o critério técnico e o político.”

Isso porque, na atual sistemática constitucional, ao Poder Legislativo cabe indicar “livremente” 06 (seis) dos Ministros do TCU e 04 (quatro) dos Conselheiros dos Tribunais de Contas. Ou seja, sem as rédias vinculadas que o Poder Executivo sofre, uma vez que das três nomeações a que tem direito, apenas uma é de livre escolha.

Assim sendo, não me parece justo e nem correto a proporcionalidade das vagas se o Poder Legislativo tem a palavra final nos pareceres prévios emitidos pelos Tribunais de Contas. Ora, com a maioria das indicações de forma livre, há macula nas decisões do órgão diante das aparentes tintas técnicas que essa decisão possa ter.

Na realidade, a sugestão é que seja feita uma nova composição paritária prevalecendo in casu, um corpo de magistratura oriundo da área técnica com acúmulo de experiência na função. Assim, uma proposta de emenda Constitucional dando nova redação ao inciso II, do § 2º doa art. 73 da CF/88, nos moldes a seguir descrito, daria mais credibilidade e força às decisões emanadas das Corte de Contas:

Art. 73. Omissis

§ 1º Omissis.

§ 2º. Os Ministros dos Tribunais de Contas da União serão escolhidos.

I. Omissis

II. 2/3 pelo Congresso Nacional, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicado em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antiguidade e merecimento.


Daniel Lavareda é Conselheiro Corregedor do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Pará – TCM/PA, graduado em Direito pela Universidade da Amazônia – UNAMA e Especialista em Direito Administrativo Municipal pela Universidade Federal do Estado do Pará.

_______________________________

NOTAS

1 Art. 74. Omissis.

§ 4º – No exercício de suas atribuições de controle da administração financeira e orçamentária, o Tribunal representará ao Poder Executivo e ao Congresso Nacional sobre irregularidades e abusos por ele verificados.

2 EMENTA: Tribunal de Contas da União. Poder geral de cautela. Legitimidade. Doutrina dos poderes implícitos. Precedente (stf). Conseqüente possibilidade de o Tribunal de Contas expedir provimentos cautelares, mesmo sem audiência da parte contrária, desde que mediante decisão fundamentada. Deliberação do TCU, que, ao deferir a medida cautelar, justificou, extensamente, a outorga desse provimento de urgência. Preocupação da corte de contas em atender, com tal conduta, a exigência constitucional pertinente à necessidade de motivação das decisões estatais. Procedimento administrativo em cujo âmbito teriam sido observadas as garantias inerentes à cláusula constitucional do “due process of law”. Deliberação final do TCU que se limitou a determinar, ao diretor-presidente da codeba (sociedade de economia mista), a invalidação do procedimento licitatório e do contrato celebrado com a empresa a quem se adjudicou o objeto da licitação. Inteligência da norma inscrita no art. 71, inciso ix, da constituição. Aparente observância, pelo Tribunal de Contas da União, no caso em exame, do precedente que o supremo tribunal federal firmou a respeito do sentido e do alcance desse preceito constitucional (MS 23.550/DF, Rel. P/ Acórdão o Min. Sepúlveda Pertence). Inviabilidade da concessão, no caso, da medida liminar pretendida, eis que não atendidos, cumulativamente, os pressupostos legitimadores de seu deferimento. Medida cautelar indeferida. Ministro Celso de Mello. Relator decisão publicada no DJU de 29.5.2007

3 Comentários a Constituição do Brasil, p. 133, 1ª. Edição.

4 Karl Engisch, in Introdução ao Pensamento Jurídico. 7. Ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p.208

5 Notas sobre derecho y lenguaje, Ed. Buenos Aires: Abeledo- Perrot. 1990, p.28- 36

6 Segundo o relatório, dos 238 conselheiros existentes no país, 47 têm ocorrência na Justiça ou nos próprios Tribunais de Contas. P. 3. Sem querer entrar no mérito da metodologia utilizada, que não esclarece, por exemplo, se esses processos ao qual respondem os Conselheiros e Ministros foram instaurados antes ou depois do exercício do cargo, parece que os autores do relatório, preferiram libertar-se do caráter mais científico que deveria ter a produção da peça informativa, para constituí-la em um libelo contra a existência dos Tribunais de Contas.

7 Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei nº401 de autoria do Senador Pedro Simon que da nova redação ao Art. 5ºdo Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 – Lei de Introdução ao Código Civil -, para definir os conceitos de reputação ilibada e idoneidade moral.

8 Comentários à Constituição de 1988, vol. 5,

9 Vocabulário Jurídico, vol. II, 12ª edição, Forense.

10 v.g. art. 77 c/ art. 71 e art. 80 da Lei Federal 8.443/92

11 Palestra proferida no I Seminário de Direito Constitucional Administrativo de 30 de maio a 03 de junho de 2005, no TCMSP.

12 (Processo: Reclamação 6702 PR; Relator (a): RICARDO LEWANDOWSKI, Julgamento: 04/03/2009, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação: DJe-079 DIVULG 29-04-2009 PUBLIC 30-04-2009 EMENT VOL-02358-02 PP-00333).

13 As vagas nos Tribunais de Contas e os princípios da moralidade e impessoalidade, artigo publicado no site www.transparenciacapixaba.org.br. Datado de 22/052014.