Cezar Miola
No meu Estado há um ditado popular sobre chances que não devem ser desperdiçadas: “cavalo encilhado não passa duas vezes“. Aproveitando a máxima gaúcha, eu diria que há, hoje, no Brasil, um verdadeiro trem de oportunidades passando e pedindo atenção.
Esse trem tem um nome que pode parecer difícil às pessoas –consensualismo– mas representa um novo e promissor caminho no plano das relações institucionais e com agentes situados fora dessa moldura.
No conceito, o consensualismo é a busca por diálogo e acordo, envolvendo atores do Poder Público –entre si ou na relação com particulares. É a busca para, sempre respeitada a ordem jurídica, ir-se além de formalismos que, por vezes, pouco ou nada resolvem e alimentam a descrença e a desconfiança nos poderes, órgãos e entidades.
Mas um recente pacto firmado entre os governos da Bahia e do Mato Grosso, com a participação e a liderança ativa do TCU (Tribunal de Contas da União) e a mediação dos Tribunais de Contas dos 2 Estados, representa de forma exemplar a aplicação desse instrumento capaz de transformar desafios em oportunidades concretas e de beneficiar a população, com segurança jurídica, eficiência e efetividade.
Em meados de 2023, o TCU, com o acompanhamento dos órgãos de controle, procuradorias e outros entes da administração da Bahia e de Mato Grosso, começou a lidar com um impasse: Cuiabá (MT) guardava em galpões vagões de VLTs (veículos leves sobre trilhos) adquiridos para preparar a cidade para a Copa do Mundo de 2014, mas que nunca chegaram a ser instalados.
Com chance de degradação pelo tempo e obsolescência, os equipamentos corriam o risco de criar prejuízos vultosos aos cofres públicos. E a mais de 2.500 km de distância, a Bahia estava em processo de construção de estações de VLT para ligar 4 regiões do subúrbio de Salvador.
Assim, abriu-se uma janela de oportunidade para que o governo baiano adquirisse os trens ociosos, acelerando a implementação do sistema de transporte para beneficiar, ao menos, 560 mil baianos que moram em região que sofre há décadas com deficiência estrutural de mobilidade.
Depois de análises técnicas, inúmeras reuniões e complexas negociações entre as empresas envolvidas e o setor público, o acordo foi firmado e, em 19 de dezembro, realizada a viagem-teste do 1º vagão, em Salvador.
Um dos aspectos peculiares do acordo está na customização de vagões, como no caso das instalações exclusivas para o transporte de pescados por marisqueiras e pescadores da região.
Os equipamentos garantirão mais segurança e condições adequadas durante o deslocamento. Essa ação não só incrementa a qualidade do transporte para esses trabalhadores, mas também reflete uma preocupação genuína com as demandas locais. O alinhamento entre políticas públicas e as necessidades da população traduz os resultados palpáveis que o consensualismo pode proporcionar.
O êxito dessa negociação vai além de um mero acontecimento isolado. Demonstra a eficácia do modelo consensual nos processos de controle governamental. Nos últimos anos, os Tribunais de Contas têm promovido práticas que priorizam o diálogo e a mediação, resultando em soluções mais ágeis e efetivas para os entraves presentes nas diferentes estruturas administrativas.
Essa abordagem não apenas agiliza, mas tem potencial para reduzir custos, além de fortalecer a confiança, aprimorar a governança e fomentar a transparência nas relações institucionais e com a sociedade.
A Atricon (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil) tem sido um ator fundamental nesse processo, estimulando a adoção de instrumentos de resolução de conflitos, compromisso que pode ser visualizado na Nota Recomendatória 02 de 2022, na criação de uma rede integrando os órgãos de controle a respeito e na recente Carta de Florianópolis, emitida no encerramento do Congresso Internacional dos Tribunais de Contas.
Essas ferramentas são essenciais para uma administração pública mais realizadora e participativa e o sucesso do acordo entre Bahia e Mato Grosso é um reflexo direto dessa filosofia.
Em um cenário em que a colaboração entre diferentes esferas e estruturas de governo se faz cada vez mais necessária, a experiência adquirida com esse acordo serve como um modelo para futuras iniciativas. O consensualismo, ao priorizar o diálogo e a cooperação, não apenas contribui para solucionar conflitos, também cria resultados sustentáveis e benéficos à sociedade, demonstrando que a união de esforços pode levar a conquistas significativas para todos. O Brasil não pode e não deve perder esse trem.
Cezar Miola é conselheiro do TCE-RS e vice-presidente de Relações Político-Institucionais da Atricon
*Artigo publicado originalmente pelo Poder 360 – Foto: Thuane Maria/GOVBA