Dimas Ramalho
A recente operação policial que desvendou um gigantesco esquema de fraudes envolvendo descontos indevidos nos benefícios de aposentados e pensionistas do INSS escancarou uma ferida aberta no sistema público brasileiro. Estima-se que o prejuízo tenha ultrapassado R$ 6,3 bilhões, afetando nada menos que 4 milhões de segurados.
Gravíssimo, o episódio não apenas evidenciou a dificuldade dos mecanismos institucionais de controle como também acendeu um alerta inadiável: é preciso continuar aperfeiçoando o papel dos órgãos de fiscalização, inclusive dos Tribunais de Contas.
Em um cenário marcado pela crescente sofisticação dos esquemas de desvio de recursos públicos, o controle precisa ir além de seu modelo tradicional –pautado por análises formais e reativas de documentos e atos– e adotar uma postura mais proativa e estratégica. É crucial identificar os problemas em sua origem, antes que os danos se concretizem.
Os Tribunais de Contas possuem respaldo legal e institucional para assumir protagonismo nesse processo. A Constituição Federal lhes confere competências amplas, que incluem variados tipos de auditorias. Quando bem planejadas e executadas, essas ações podem se tornar a linha de frente na prevenção de desvios e no fortalecimento da integridade da gestão pública.
Um exemplo desse novo paradigma fiscalizatório é a auditoria extraordinária que o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP) vem realizando em 219 institutos municipais de previdência. O objetivo é apurar a legalidade, a justificativa e a autorização dos descontos realizados diretamente na folha de pagamento de aposentados e pensionistas dos regimes próprios de previdência, com atenção especial àqueles que não são obrigatórios.
Iniciativas como essa deveriam ser institucionalizadas como políticas permanentes de prevenção de fraudes financeiras, a exemplo do que já ocorre nas auditorias operacionais, implementadas de forma pioneira no TCESP em 2016, que verificam a conformidade da execução de políticas públicas, ou via fiscalizações concomitantes, que buscam corrigir a rota do administrador ainda no decorrer do exercício.
As Cortes de Contas também precisam investir cada vez mais na incorporação de tecnologias de análise de dados, inteligência artificial, cruzamento automatizado de informações, além de treinamento e valorização do quadro funcional. Essas ferramentas são fundamentais para detectar padrões atípicos, como autorizações múltiplas de desconto, convênios com entidades inativas ou a concessão de benefícios em ritmo incompatível com a média histórica.
Nessa perspectiva, o controle externo vai além da fiscalização para se tornar um mecanismo dinâmico de aprimoramento da gestão pública, com capacidade de mapear riscos, antecipar irregularidades e intervir antes que o malfeito se consolide.
Contudo, para que esse potencial se concretize plenamente, é indispensável uma articulação real entre os diversos órgãos do poder público. Tribunais de Contas, Ministério Público, Controladorias, Receitas, Polícias e o Poder Judiciário devem instituir e utilizar redes de cooperação efetiva, com compartilhamento de informações, protocolos conjuntos de atuação e mecanismos ágeis de resposta. Fraudes em larga escala prosperam justamente na fragmentação institucional.
O escândalo do INSS não pode ser visto apenas como mais um episódio da crônica brasileira de corrupção sistêmica. Trata-se de um alerta contundente sobre falhas estruturais nos controles interno e externo –falhas que podem, e devem, ser corrigidas. Os Tribunais de Contas, como guardiões constitucionais da boa governança, detêm os instrumentos técnicos e legais para liderar essa transformação.
Quando o controle falha, a desonestidade floresce; mas quando atua com firmeza, inteligência e articulação, ele se converte na principal fortaleza contra a captura e a degradação do Estado.
Dimas Ramalho é conselheiro-corregedor do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo