A CF/88 propiciou inegável avanço aos órgãos de controle, como os Tribunais de Contas e o Ministério Público. Essas agências de accountability possuem, em regra, autonomia e um quadro de dirigentes e servidores qualificados, dotados de garantias e albergados em carreiras estruturadas. Mirando a Gestão, entretanto, o que se vê, mormente nos pequenos municípios, são indicadores que, no mais das vezes, revelam um grande déficit de governança, os quais – em meio a crises fiscais, falta crônica de planejamento e carreiras pouco atraentes – atestam a ineficiente implementação de muitas políticas públicas.
Esse descompasso aumenta as tensões na relação gestão-controle, em cujo contexto se pode falar do “apagão da caneta do gestor”. Alega-se que, ante o medo de serem responsabilizados pelo Controle, muitos gestores de boa fé simplesmente “deixam de assinar”, de inovar e não arcam com o risco de tirar as políticas públicas do papel. Essa crítica-alerta merece a devida atenção. É razoável afirmar que a superestrutura de controle nas três esferas federativas, especialmente quando somada aos referidos problemas estruturais da Gestão e à nossa tradição formalista, podem contribuir para esse “apagão”, bem como dificultar a atração de gestores responsáveis para o setor público. A propósito, as últimas alterações na LINDB (lei 13.655/18), ao reforçarem a obrigação de o Controle considerar as complexas realidades dos gestores (empatia), a proporcionalidade das decisões, as consequências de sua intervenção e a segurança jurídica, tendem a estabelecer uma relação mais dialógica e producente. O bom Controle deve atuar dentro das balizas legais, sem abusos, prevenindo e procurando, de modo imparcial e equilibrado, diferenciar os erros administrativos escusáveis das práticas sabidamente deletérias. Esse é um lado da caneta.
Há, contudo, um outro tipo de “apagão”, que se revela necessário e, paradoxalmente, descortina um feixe de luz que pode contribuir para o aumento sustentável da eficiência e da legalidade. É aquele decorrente de uma ação integrada (em rede) dos Controles, que dinamiza o combate à corrupção e a responsabilização dos seus culpados. Agentes públicos e privados ímprobos, que costumavam transitar pelos escaninhos dos descontroles, hoje pensam duas vezes na hora de assumirem o risco de “assinar” um já sabido malfeito. Aqui, é o medo de ser punido corretamente por desvios éticos graves que gera a (benfazeja) inércia da caneta.
A tinta há de brilhar, mas é preciso clareza para enfrentar e distinguir os “apagões”.
Valdecir Pascoal é Conselheiro do TCE-PE.