Crise Climática: ameaça silenciosa à Primeira Infância

Onélia Leite

De acordo com o Núcleo Ciência pela Primeira Infância (NCPI), em uma publicação recente, o ano de 2024 foi o mais quente da história, com um aumento de temperatura de 1,5°C acima do período pré-industrial. Dados do Unicef evidenciam que aproximadamente um bilhão de crianças, quase metade de todas as crianças no mundo, vivem em um dos 33 países classificados como de “risco extremamente alto” para os impactos das mudanças climáticas, o que expõe as crianças a uma série de adversidades ambientais, incluindo ondas de calor severas, inundações, perdas agrícolas, entre outros. Ainda de acordo com o Unicef, cerca de 40 milhões de crianças e adolescentes no Brasil enfrentam pelo menos um tipo de risco climático, destes, 1,1 milhão convive com a escassez de água.

Já está bem estabelecido na literatura que o contato com a natureza além de melhorar o aprendizado, também exerce influência positiva na saúde física e mental das crianças. Contudo, as mudanças climáticas apresentam-se como uma das maiores dificuldades enfrentadas por crianças na atualidade, e essas mostram-se extremamente vulneráveis aos acontecimentos, comprometendo diretamente o seu desenvolvimento infantil. Entre os principais impactos estão: insegurança alimentar, aumento de doenças infecciosas e transmissíveis, deslocamentos forçados, perdas na aprendizagem e socialização. Os efeitos podem também estender-se para além da saúde física, atingindo as relações entre crianças e cuidadores, com o rompimento de vínculos causados pelo stress crônico. E esse vínculo é fundamental para o desenvolvimento saudável e melhor qualidade de vida na fase adulta.

No Brasil, de acordo com o censo do IBGE de 2022, a faixa etária de 0 a 6 anos representa 18,1 milhões de pessoas, o equivalente a 8,9% da população brasileira. Entre as famílias vulneráveis, com renda per capita de até meio salário-mínimo, a proporção de crianças na primeira infância salta para 15,9%. Países de baixa renda podem sofrer com uma maior fragilidade nos serviços de apoio às famílias durante os períodos de crise, como saúde, educação e assistência social. Famílias mais vulneráveis tendem a sofrer com maior intensidade os efeitos adversos da crise climática justamente pela dificuldade no acesso a esses serviços e por ocuparem territórios mais propícios a sofrer com esses impactos.

Diante desse cenário, é urgente que as políticas públicas sejam redesenhadas e implementadas com foco prioritário na garantia do desenvolvimento integral de meninas e meninos em ambientes seguros e propícios. Isso implica a priorização no planejamento das ações relacionadas ao clima, como a inclusão, nos planos de primeira infância, de metas e ações específicas para essa finalidade, além do monitoramento contínuo e a fiscalização efetiva por parte dos órgãos de controle, assegurando que os recursos sejam alocados de forma eficiente e que as metas sejam de fato alcançadas.

Outras ações práticas podem ser tomadas, com abordagens colaborativas e centradas na equidade, tais como: escolas pensadas e com infraestrutura adequada para prevenção de catástrofes ambientais, implantação de áreas verdes, tanto na escola como ao seu redor, e educação climática para crianças, jovens e adultos. A educação ambiental é importantíssima nesse cenário. A criança necessita fazer parte para aprender. Viver em um ambiente que garante o bem estar através do contato com a natureza faz com que essa criança valorize a importância de preservar, de amar e de zelar por ela.

Levando em consideração essas questões, os Tribunais de Contas vêm demonstrando crescentes esforços para induzir o fortalecimento e o acompanhamento das políticas públicas para a Primeira Infância. O Tribunal de Contas do Estado do Ceará, por exemplo, lançou no mês de abril deste ano o Pacto Cearense pela Primeira Infância. Este pacto representa um compromisso do Tribunal de Contas e demais instituições públicas e privadas com o fortalecimento da governança, aprimoramento da gestão de recursos e consolidação das políticas públicas dedicadas ao desenvolvimento infantil nos primeiros anos de vida.

A proteção dos direitos das crianças e a promoção de um desenvolvimento integral exigem que a primeira infância seja prioridade inegociável no orçamento público e nas políticas climáticas. Isso implica escuta ativa às famílias, implementação de ações intersetoriais responsivas às necessidades das múltiplas primeiras infâncias brasileiras e, crucialmente, fiscalização da aplicação desses recursos e da efetividade das ações. Diante desse cenário, proponho a reflexão: o que cada um de nós pode fazer para atenuar os impactos da crise climática na primeira infância?

Onélia Leite é conselheira do TCE Ceará