Lá no início de 2020, os primeiros reflexos da pandemia impuseram, em poucas semanas, um experimento laboral inédito e surpreendente. De uma hora para a outra, profissionais de inúmeras áreas foram forçados a trocar sua estação de trabalho, na sede da empresa, pelo expediente dentro da própria casa. O improviso logo cobrou seu preço; a cadeira se mostrou desconfortável, a mesa era alta demais, a luz era fraca, o barulho da rua atrapalhava, e a internet instável e lenta não era suficiente para garantir o andamento das atividades sem interrupções. A infraestrutura necessária para o exercício pleno das atividades no home office se tornou demanda gritante e passou a ser prioridade de empresas, órgãos públicos e terceiro setor. Agora, imagine se essa mesma “descoberta” seria possível nas escolas.
A questão é simples: como saber se todos os estudantes brasileiros encontram, nos seus colégios, condições de estudo que permitam o melhor nível de aprendizagem? Esse é um questionamento que precisa estar na cabeça de todos que se ocupam ou se preocupam com a qualidade da educação no país.
De acordo com os dados do Censo Escolar 2022, pelo menos 12,9 milhões de estudantes da educação básica frequentam unidades que apresentam algum problema de infraestrutura. Quase um milhão deles estão matriculados em estabelecimentos de ensino sem acesso à água potável, e 390 mil estudam em escolas sem banheiros. A referência, aqui, é às redes públicas.
Primeiro, é preciso deixar claro que não há dúvidas da influência da infraestrutura para a qualidade do ensino, embora não seja, evidentemente, o único fator determinante. Publicado em 2021 na revista científica Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, o artigo “Infraestrutura escolar e investimentos públicos em Educação no Brasil: a importância para o desempenho educacional” é um exemplo de estudo que trata desse tema.
Cruzando informações de bancos de dados públicos, os pesquisadores identificaram a relação entre investimento estatal, infraestrutura e desempenho escolar. “Portanto,
Já o estudo Qualidade da infraestrutura das escolas públicas do Ensino Fundamental no Brasil, publicado em 2019 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que “a demanda pela melhoria do desempenho da educação pública incluo desempenho do aluno não depende somente de seu próprio esforço. Cabe ao poder público fornecer meios para que as escolas disponham de insumos básicos para exercer suas atividades com qualidade e para que todos os alunos tenham acesso a um ambiente favorável à aprendizagem, reduzindo, assim, as desigualdades no ensino”, escrevem os autores. i a necessidade de um ambiente agradável, prazeroso, limpo e conservado que ofereça condições de bem-estar aos alunos e professores para o bom andamento do trabalho escolar, sem negligenciar outros aspectos”.
Está claro que a pesquisa acadêmica, em inúmeros estudos, já demonstrou a importância da infraestrutura escolar para o aprendizado e identificou os padrões adequados para assegurar esse suporte. Assim, é possível voltar à questão apresentada no início deste texto: como verificar isso na prática?
Os Tribunais de Contas de todo o país estão prestes a dar uma contribuição inédita nesse sentido, batizada de Operação Educação. Em data que será divulgada em breve, técnicos dos Tribunais vão inspecionar mais de mil escolas estaduais e municipais, selecionadas a partir de dados do Censo Escolar que foram sistematizados e, com isso, indicaram a criticidade em relação às condições de infraestrutura. As equipes analisarão mais de 190 itens em cada visita, tomando registros a respeito de refeitórios, bibliotecas, salas de aula, muros de proteção, câmeras de vigilância, portarias, quadras esportivas, higiene e limpeza e prevenção a incêndios, entre outros indicadores.
A operação é organizada pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), em parceria com o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, suporte técnico do Instituto Rui Barbosa (IRB) e apoio da Associação Brasileira de Tribunais de Contas dos Municípios (Abracom) e do Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas (CNPTC).
Após a coleta dos dados, que serão inseridos em um sistema integrado pelos técnicos espalhados pelo Brasil, a segunda etapa será o processamento das informações e a elaboração de relatórios estaduais e em nível nacional, documentos que serão capazes de expressar a situação de colégios brasileiros, servindo também para ações de orientação e de fiscalização pelos próprios Tribunais de Contas. Com esse esforço, será possível contribuir para que a “descoberta” da estrutura escolar brasileira coloque o assunto na agenda das prioridades do país.
*Artigo publicado no site Jota.
Cezar Miola, presidente da Atricon.