“É preciso fazer com que a confiança dos cidadãos nas instituições seja sólida”

Num ambiente em que os cidadãos esperam melhor qualidade dos serviços, ao mesmo tempo em que reclamam maior “value for money” dos investimentos e despesas públicas, o setor público passou a enfrentar em todo o mundo medidas de consolidação e restrições orçamentárias, que conduzem governos e instituições a criar novos instrumentos para financiar políticas públicas e novas modalidades de prestação de serviços públicos. A partir dessa reflexão sobre os desafios e oportunidades que se oferecem aos auditores públicos do Século 21, o presidente do Tribunal de Contas de Portugal, Vitor Manuel da Silva Caldeira, lançou o questionamento sobre quais são as novas oportunidades e riscos que se apresentam ao proferir a palestra sobre “Perspectivas para a Auditoria do Setor Público”, nesta terça-feira (15.10), na abertura da primeira edição do Ciclo de Palestras de 2019.

Na abertura do evento, o conselheiro-presidente do TCE/BA, Gildásio Penedo Filho, agradeceu a presença dos palestrantes e do público, destacando a presença maciça de servidores que lotaram o auditório Conselheiro Lafayette Pondé, no Plenário do TCE/BA. Em seguida, falou sobre a relação histórica da Bahia com Portugal, e de como a cultura portuguesa está presente nas ruas da capital baiana. “É a oportunidade de traçar um paralelo com a estrutura de auditoria realizada pela Corte de Contas Portuguesa e a Corte de Contas do Tribunal de Contas do Estado da Bahia. Acompanhando de uma forma muito rápida, percebo muita simetria dos trabalhos realizados pela Corte Portuguesa, embora essa possua uma ênfase em um trabalho de auditoria preventiva”, destacou.

Segundo Vitor Caldeira, que também é presidente do Conselho de Prevenção da Corrupção, é preciso fazer com que a confiança dos cidadãos nas instituições que prestam serviços públicos seja sólida. “É fundamental que, falando a mesma língua, e provavelmente tendo problemas semelhantes em nossos países, possamos trocar experiências sobre aquelas que são as novas questões que, ao meu ver, os auditores devem considerar. A primeira delas tem a ver com a transformação digital, as novas formas de se prestar os serviços públicos, seja por via daquilo que são os novos desafios que enfrentamos hoje, da demografia, das alterações climáticas, dos problemas ambientais. Enfim, são áreas que reclamam novas perspectivas”, ressaltou.

O presidente do Corte de Contas lusitana observou que, mais importante do que o volume de dados disponíveis, é preciso saber o que se pode fazer com esta nova informação. E afirmou que a combinação de dados com meios de análise de elevada potência oferece muitas possibilidades, tal como a identificação de causas de falhas (em tempo quase real) e a detecção do risco de comportamento irregular ou fraudulento, por vezes antes mesmo da sua ocorrência. O que permite oferecer aos auditores uma oportunidade de continuarem a ser relevantes, atuando como fontes confiáveis de conhecimento e informação com atualidade para seus stakeholders.

“Quanto aos benefícios, podemos pensar, por exemplo, na identificação antecipada de problemas; na dimensão mais alargada das populações testadas; na possibilidade de escolher provas mais pertinentes. Mas não podemos ignorar os riscos e perigos, a exemplo da possível limitação do direito de acesso dos auditores públicos a dados e informações relevantes como consequência da digitalização. Do mesmo modo, não podemos ignorar outros potenciais riscos associados à confiança cega em dados não confiáveis e à ausência de capacitação dos auditores para usarem eficazmente estas tecnologias”, explicou Vitor Caldeira.

O palestrante reiterou que, num período de recursos limitados, restrições financeiras e falta de confiança dos cidadãos nas suas instituições, surgiram novas formas de trabalhar no setor público, a exemplo do modelo “new governance”, que inspirou reformas do setor público centradas em articulações e arranjos institucionais e valores administrativos. Entre as razões desta abordagem encontra-se a crescente sensibilidade para um novo conjunto de problemas, incluindo a segurança e a ameaça de terrorismo, o ambiente e as alterações climáticas, as migrações e as respostas aos requerentes de asilo, a demografia e o envelhecimento populacional. E alertou que este cenário em mutação na gestão e financiamento do setor público, juntamente com a complexidade dos novos modelos de prestação de serviços, oferece aos auditores novas perspectivas para identificar tendências e questões de curto prazo e, por outro lado, para antecipar as consequências de políticas públicas, bem como os respectivos riscos a médio e longo prazo.

O presidente do Tribunal de Contas de Portugal concluiu sua palestra, afirmando que os Tribunais de Contas têm um papel essencial a desempenhar, promovendo a transparência, a responsabilização e uma utilização mais eficaz e eficiente dos recursos públicos em benefício dos cidadãos. “Accountability, transparência da gestão pública e confiança formam o triângulo virtuoso que pode promover o impacto do trabalho de auditoria do setor público. Para serem relevantes num ambiente de mudança, os auditores devem facilitar a prestação de contas e assegurar a transparência, atuando como fontes confiáveis de informação, apoiando a função de supervisão dos parlamentos e fornecendo relatórios que incidam sobre as reais preocupações dos stakeholders”.

PALESTRA ABORDA AS NBASP

Ao proferir a palestra “Estrutura e Conteúdo Esquemático das Normas Brasileiras de Auditoria do Setor Público (NBASP)”, o assessor da Presidência do Instituto Rui Barbosa (IRB) e gerente de desenvolvimento e políticas públicas da instituição, Nelson Nei Granato Neto, debruçou-se sobre as novas perspectivas do controle externo, com ênfase na Declaração de Moscou, aprovada em setembro último no XXIII Congresso da Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores (Intosai) e que estabeleceu as orientações futuras para a auditoria pública.

“O documento mais recente da Intosai, que foi trabalhado agora em 2019, traz novos desafios para os Tribunais de Contas no que diz respeito à questão da adaptação e da evolução tecnológica, a questão de uma auditoria de políticas públicas focada em resultado, já também olhando para o objetivo de desenvolvimento sustentável, entre outras questões que acabam forçando os Tribunais de Contas a se moldarem aos novos tempos que virão para a auditoria do setor público”, ressaltou Nelson Granato.

Durante sua explanação, ele salientou que o trabalho seguirá uma metodologia científica. “Quando a gente faz um trabalho, sem seguir as normas, a gente acaba fazendo um trabalho de uma forma muito empírica, muito baseado no talento do auditor. Mas se temos a metodologia científica das normas, temos um trabalho cientificamente fundamentado, com uma base metodológica mais profunda, o que ajuda a gente a garantir a qualidade do nosso trabalho nos tribunais de contas”, concluiu.

Participaram ainda da apresentação, o vice-presidente do TCE/BA, conselheiro Marcus Presídio, o conselheiro corregedor Inaldo da Paixão Santos Araújo, o conselheiro Antonio Honorato, diretor da Escola de Contas Cons. José Borba Pedreira Lapa (ECPL), a diretora adjunta da ECPL, Denilze Sacramento, o secretário geral do Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE/BA), Luciano Chaves de Farias, além de dezenas de servidores de vários níveis do TCE/BA, que lotaram as dependências do auditório Conselheiro Lafayette Pondé.

O Programa Ciclo de Palestras é uma iniciativa do TCE/BA, por intermédio da Escola de Contas Cons. José Borba Pedreira Lapa (ECPL), sob a direção do conselheiro Antônio Honorato.

Gustavo Rozário
Tribunal de Contas do Estado da Bahia