Efetividade das decisões

EFETIVIDADE DAS DECISÕES CONDENATÓRIAS DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO TOCANTINS: A IMPORTÂNCIA DA IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA DE ACOMPANHAMENTO DO CUMPRIMENTO DAS DECISÕES – ACD.

SEVERIANO JOSÉ COSTANDRADE DE AGUIAR [1]

Em consonância com o texto constitucional, a missão institucional dos Tribunais de Contas é a de exercer a fiscalização das administrações públicas diretas e indiretas e dos recursos por ela geridos, zelando por sua legalidade e legitimidade, bem como pela eficiência, eficácia e economicidade, com a finalidade principal de prestar contas, aos contribuintes, do emprego que os governos fazem desses recursos.

As competências dos TC´s são inúmeras, dentre as quais se podem citar: apreciação e julgamento de contas; apreciação quanto a legalidade dos atos de admissão de pessoal; realização de inspeções, auditorias e aplicação de sanções, inclusive pecuniárias, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de prestação de contas.

Nesse sentido, as decisões condenatórias dos TC´s que resultem em imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo (Art. 71, § 3º CRFB/88). Assim, as decisões proferidas por tais órgãos de controle prescindem de qualquer outro procedimento para firmar a sua autenticidade coativa de cobrança, devendo ser, em prazo determinado na Lei Orgânica Estadual e Regimentos Internos das Cortes de Contas, cumpridas pelos responsáveis. Na hipótese de não cumprimento da decisão (pagamento ou ressarcimento espontâneo), o Tribunal deverá adotar medidas administrativas e, posteriormente, encaminhar as decisões às entidades correspondentes, as quais devem promover a execução dos créditos.

A função sancionadora é crucial para que o Tribunal de Contas possa inibir irregularidades e garantir o ressarcimento dos prejuízos causados. A imposição de sanções pecuniárias visa a obter o ressarcimento, aos cofres públicos, de valores que foram aplicados de forma contrária às determinações legais, no entanto, não basta simplesmente aplicar as penalidades, faz-se necessário torná-las eficazes sob o ponto de vista de seu cumprimento.

As decisões condenatórias dos TC´s – Acórdão –, que por sua vez obrigam o responsável a reparar o dano a que deu causa e/ou impõe o pagamento de multa pelo ato irregular praticado, devidamente publicada, torna a dívida líquida e certa, e possui eficácia de título executivo extrajudicial.

Apesar de todo o aparato de fiscalização e do grau de excelência dos atos decisórios, observou-se que as condenações pecuniárias eram timidamente cumpridas, e os pagamentos raramente comprovados. Além disso, inexistia na esfera da Corte de Contas instrumento ou mecanismo de controle eficiente para monitorar com segurança os pagamentos integrais ou parcelados; realizar os respectivos cálculos dos juros e correção monetária; e permitir o gerenciamento das condenações solidárias e das dívidas transferidas para o espólio ou sucessores do devedor falecido.

Também não havia meios de se permitir e impor aos titulares do crédito público, constituído a partir da decisão com imputação de débito, que o dano fosse efetivamente reparado. Isso porque a iniciativa da execução judicial da dívida é reservada exclusivamente às pessoas jurídicas de direito público estaduais e municipais, e devido à ausência de um mecanismo eficaz de monitoramento, os gestores, ao tomarem conhecimento de tal procedimento, não recolhem os valores, pois a coercitividade administrativa não os intimida no sentido de efetivamente cumprir referidas decisões.

Diante desta problemática, o estudo traz o objetivo geral de demonstrar os procedimentos adotados pelo TCE/TO para propiciar maior efetividade e acompanhamento do ressarcimento das multas aplicadas e dos débitos imputados nas decisões condenatórias.

Conforme já delineado, e consoante o disposto no artigo 71, § 3º da Constituição Federal de 1988, “as decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo”. Assim, não há necessidade de qualquer procedimento adicional para firmar a autenticidade coativa da cobrança, implicando o dever, por parte dos responsáveis, de ressarcir ou cumprir a obrigação imposta pelo Tribunal de Contas.

Diante desse contexto, surgiu a preocupação, por parte do TCE/TO, em relação ao efetivo cumprimento de suas decisões, de modo que, se há fiscalização, e dela deriva uma decisão que transitou em julgado, deve haver o cumprimento de tais imputações, pois, do contrário, estaria o órgão vazio de suas competências constitucionais pela ineficácia das decisões. Sem o efetivo cumprimento das decisões, não haveria motivo ensejador para a própria decisão, como se o ciclo de fiscalização não fosse completado.

Visando a concretização desse ciclo e partindo da necessidade de um controle mais efetivo sobre os administradores de bens e recursos públicos, no Estado Democrático de Direito, com o objetivo de salvaguardar os interesses da coletividade, a Corte de Contas realizou estudo para implementar um sistema informatizado para acompanhar o cumprimento das decisões, tendo em vista a necessidade de uma ferramenta específica que possibilitasse o acompanhamento e efetivação das decisões proferidas pelo TCE/TO, no exercício do controle estabelecido pela Constituição Federal de 1988.

Inicialmente no TCE/TO foi estruturado um software com metodologia espelhada em boas práticas adotadas pelos Tribunais de Contas dos Estados do Rio Grande do Sul e do Paraná e adaptado à realidade do estado do Tocantins.

O objetivo macro do sistema foi criar condições favoráveis para se efetivarem as decisões condenatórias que imponham sanções de natureza pecuniária e/ou imputação de débitos – estimulando os responsáveis a cumprirem as determinações originadas dos julgados da Corte de Contas –, restaurar uma situação de direito, coibir as práticas ilícitas e restabelecer a legalidade. Tudo com o objetivo de fortalecer as competências constitucionais dadas ao TCE/TO no exercício do controle externo, incluindo no escopo do projeto a necessidade de zelar pela não incidência da prescrição nas multas impostas, passíveis de serem prejudicadas pelo retardamento no uso dos meios eficazes para acelerar a cobrança.

O sistema foi implantado por meio da Resolução Administrativa nº 003, de 23 de setembro de 2009, posteriormente atualizada pela Instrução Normativa nº 003/2013, que disciplinou os procedimentos técnicos e administrativos para “formalização do Processo de Acompanhamento do Cumprimento das Decisões – ACD, objetivando a viabilização do ressarcimento ao erário, emissão de demonstrativo de débito e/ou multa, correção de valores, parcelamentos e extração de certidões de decisão – títulos executivos, das decisões condenatórias do TCE/TO”.

Por meio da referida normativa foram delineados os procedimentos técnicos e administrativos tendentes a viabilizar a efetivação das penalidades pecuniárias e a recomposição do erário, cujo planejamento iniciou em 2009, sendo que o início do monitoramento ocorreu ainda em 2011, em fase de construção do sistema, testes e aprimoramento das ferramentas e dos principais regulamentos aplicados ao tema, porém, a implantação efetiva do sistema ocorreu somente em 2012.

O sistema ACD pode ser considerado um marco divisor nas formas de verificação da efetivação das deliberações do TCE/TO. O não cumprimento das obrigações se dava principalmente pelo fato de que inexistia, até a implantação do sistema, um meio para controlar o cumprimento das imposições da Corte.

Desde o ano de 2009, por meio do estabelecimento de procedimento para formalização do Processo de Acompanhamento do Cumprimento das Decisões (IN n.º 003/2009), e depois, com seu aprimoramento, objetivando a efetividade e cumprimento das decisões condenatórias do TCE/TO, foram incorporadas novas funcionalidades ao sistema ACD e aprimorada a normativa (IN n.º 003/2013).

Destaca-se que a normativa estabeleceu um fluxo de ações que perseguem essa efetividade, que se inicia por meio da Coordenadoria do Cartório de Contas, setor responsável por adotar as medidas necessárias ao pagamento do débito e/ou da multa.

Dentre as inovações e facilidades promovidas pela implantação do sistema ACD, destacam-se:

  1. o melhor gerenciamento e a atualização dos parcelamentos da multa. Anteriormente à implantação do sistema, os cálculos eram realizados de forma manual, em uma planilha de Excel, e tinham de ser atualizados pelo indicador de correção monetária IGP-DI (Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna), calculado mensalmente pela Fundação Getúlio Vargas – FGV);
  2. o efetivo controle dos pagamentos, tanto integral como parcelado, principalmente pela incorporação do boleto eletrônico, integrado ao sistema ACD e interligado diretamente à rede bancária, que identifica e repassa os pagamentos. Dispensando-se, assim, a comprovação pelo responsável e empregando-se a confiabilidade no cálculo dos encargos legais (correção monetária e juros moratórios);
  3. a simplificação dos procedimentos, com a inclusão da ferramenta calculadora no sistema e sua disponibilização na página eletrônica do TCE/TO, em que a Procuradoria Geral do Estado atualiza o valor das multas que estão em cobrança judicial, eliminando custos financeiros e dando mais celeridade ao processo de cobrança;
  4. a inclusão do detalhamento do cálculo da multa e do débito no instrumento notificatório, permitindo ao devedor conhecer a fórmula da atualização, o que imprimiu maior transparência às decisões condenatórias;
  5. o controle efetivo dos prazos estabelecidos nas notificações, principalmente na fase administrativa;
  6. a precisão nas informações constantes nas certidões de decisões, as quais devem conter o resumo da decisão, com a indicação do ente credor; a data de sua publicação e do trânsito em julgado; a data do decurso do prazo estabelecido no Regimento Interno; o demonstrativo da dívida, com a atualização monetária e os juros legais; informações pessoais do devedor em que conste a sua qualificação civil; a identificação da entidade ou órgão em que praticou o ato causador do débito ou da multa; a data e o número da inscrição no Livro Eletrônico de Certidões; e outras informações necessárias à execução judicial;
  7. a assinatura do Termo de Cooperação Técnica º 9, de 18 de agosto de 2011, celebrado entre o TCE/TO e a Secretaria da Fazenda – SEFAZ/TO, objetivando a inscrição em dívida ativa dos créditos públicos decorrentes das decisões condenatórias do TCE/TO, título executivo líquido e certo, tendo em vista a proteção do patrimônio público;
  8. que na ocorrência de omissão, inércia ou ineficácia das medidas do agente público responsável pela tomada de tais providências para cobrança dos débitos, responsabilização pelo descumprimento da decisão, com repercussão da matéria em suas contas anuais, será enviada representação ao Ministério Público do Estado, para efetivação da cobrança, visto à sua competência subsidiária, e ainda, para verificação da ocorrência de ato de improbidade administrativa, nos termos da Resolução º 2, de 17 de abril de 2009, do Conselho Superior do Ministério Público;
  9. a inserção, no site oficial do TCE/TO, de portal informatizado intitulado Acompanhamento do Cumprimento das Decisões – ACD, objetivando facilitar aos gestores o acompanhamento de seus processos, a emissão de certidões e parcelamento de multas; a implantação do boleto eletrônico; o planejamento, a definição do fluxo e a inserção do módulo para remessa eletrônica dos títulos para protesto; e, ainda, a implantação do processo eletrônico de cobrança;
  10. a identificação dos valores referentes à aplicação e ao ressarcimento das multas decorrentes das decisões condenatórias do TCE/TO;
  11. a identificação dos valores dos débitos ressarcidos aos cofres públicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A implantação do Sistema de Monitoramento da Decisão – ACD no TCE/TO, representou grandes avanços no controle e monitoramento das compensações das multas aplicadas, embora ainda exista a dificuldade de controlar os valores decorrentes de imputações de débitos, tendo em vista que são ressarcidos aos cofres municipais e estaduais, e poucas vezes a comprovação do recolhimento é apresentada à unidade que efetua esse controle no Tribunal de Contas. Essa é mais uma problemática a ser solucionada pelo TCE/TO, com a implantação do Sistema ACD.

Objetiva-se evitar que tais condutas levem à comodidade, à inércia e à passividade dos agentes públicos fiscalizados pelo TCE/TO, e que possam comprometer o dever funcional da Corte de Contas de coibir tais práticas.

Para mais, além do caráter coercitivo e sancionatório, é imperioso o efeito pedagógico que resultam das medidas eficazes decorrentes do Projeto ACD, impondo o fortalecimento e respeito das condenações, combatendo o tratamento desidioso por parte de gestores e administradores da coisa pública.

Assim, busca-se, por meio de ações funcionais e efetivas, cumprir com dignidade e honra as competências constitucionais entregues pela sociedade ao órgão de controle externo, além de manter o controle do real valor das condenações e das quantias efetivamente pagas e restituídas pelos agentes penalizados.

Por fim, registra-se que, apesar de se comprovar o aumento significativo no número, em valores, de decisões cumpridas, esse ainda não é o ideal almejado pelo Tribunal de Contas Estadual, tampouco pela população que, com cada vez mais acesso às informações, cobra a efetividade das decisões, de modo que sejam realmente responsabilizados os gestores e que as decisões sejam efetivadas, exterminando a sensação de impunidade com relação aos gestores públicos.

REFERÊNCIAS                                             

AGUIAR, Severiano José Constandrade de; BONFIM, Letícia Milhomen; GEMELLI, Dagmar Albertina. Case de sucesso: a implantação do sistema de acompanhamento do cumprimento das decisões – ACD no Tribunal de Contas do Estado do Tocantins. Revista Controle, 2012. Disponível em: <http://revistacontrole.ipc.tce.ce.gov.br/index.php/RCDA/article/view/233>. Acesso em: 1 nov. 2018.

AGUIAR, Severiano José Constandrade de; GEMELLI, Dagmar Albertina; ANDRADE, Cejane Márcia. Manual de Orientação do ACD – Acompanhamento do Cumprimento de decisões do TCE/TO. 1. ed. Palmas-TO: TCE/TO, 2012.

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

______. Tribunal de Contas do Estado do Tocantins. Instrução Normativa TCE/TO n.º 03 de 28 de agosto de 2013. Revoga a Instrução Normativa Nº 003, de 23 de setembro de 2009, e estabelece os procedimentos para formalização do processo de acompanhamento do cumprimento das decisões – ACD, objetivando a efetividade e cumprimento das decisões condenatórias do tribunal de contas do estado do Tocantins – TCE/TO, que imponham aplicação de sanção pecuniária e ressarcimento de dano, e adota outras providências. Disponível em: <https://www.tce.to.gov.br/sitetce/servicos/lista-de-documentos-para-gestores/category/158-instrucao-normativa-2013?download=410:instrucao-normativa-n-03-2013>. Acesso em: 10 jan.º 2019.

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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

MIOLA, Cezar. Tribunal de Contas: controle para a cidadania. Revista do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul. Porto Alegre – RS, v. 14, n.º 25, p. 204. 1996.

______. Rumo à efetividade das decisões dos Tribunais de Contas. 2012. Disponível em: <http://www.tce.rs.gov.br>. Acesso em: 15 fev. 201.

MILESKI, Helio Saul. O controle da gestão pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

ZAMPARETTI, Aloísio de Freitas. O controle externo da administração pública exercido pelo Tribunal de Contas da União – TCU. Florianópolis: Faculdade de Ciências Sociais de Florianópolis, 2009.

 

 

 

 

[1] Conselheiro Presidente do TCE/TO. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais-Universidad Del Museu Social Argentino-UMSA. Pós-Graduação em Administração da Educação-UNB, Direito Processual Civil- Universidade Tiradentes e Estudos de Política e Estratégia – ADESG/UFTG. Conselheiro Corregedor (2005/2006 e 2007/2008), vice-presidente do Colégio de Corregedores dos Tribunais de Contas do Brasil. Presidente do TCE/TO (2009/2010 e 2011/2012). Presidente do Instituto Rui Barbosa – IRB (2010/2011 e 2012/2013). Primeiro secretário da Diretoria do Instituto Rui Barbosa – IRB (2018/2019). Secretário executivo do Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas (2019/2020).