Abrindo a programação da tarde desta sexta-feira (24), último dia do IV Congresso Ambiental dos Tribunais de Contas (CATC), o painel “A vulnerabilidade dos povos tradicionais à mudança do clima e as políticas públicas de equidade para a Amazônia” transformou o auditório do Centro Amazônico de Fronteiras (CAF) da Universidade Federal de Roraima (UFRR), em Boa Vista, em um espaço de emoção e escuta.
Telma Marques da Silva (etnia Taurepang), Fernando Luiz Jacó Júnior (etnia Macuxi) e Síria Maria Mota Bezerra (descendente da etnia Macuxi) apresentaram evidências de que as mudanças do clima já alteram o dia a dia de quem vive nas comunidades indígenas. Situações como calor intenso, chuvas fora de época, escassez de peixes e frutos e a perda da fertilidade do solo já fazem parte da realidade de povos indígenas e ribeirinhos da Amazônia.
A força das mulheres indígenas
A primeira fala foi da líder indígena Telma Marques da Silva (Taurepang), que iniciou com um canto ancestral de agradecimento. Ela relatou como os povos tradicionais têm percebido na pele as transformações climáticas. “O calor está chegando mais cedo, a chuva não está vindo na hora certa, os peixes e frutos diminuíram, e o ciclo das plantações se alterou”, comentou.

Telma destacou o protagonismo das mulheres como as primeiras a sentir e agir diante das adversidades ambientais. Quando declarou que “as mulheres estão na linha de frente da resistência. Precisamos de políticas construídas com os povos tradicionais e não apenas para eles”, Telma recebeu muitos aplausos.
O aprendizado da comunidade veio da terra
O segundo a falar foi Fernando Luiz Jacó Júnior, indígena da etnia Macuxi e presidente da Associação de Agricultores Familiares Indígenas da Comunidade Jabuti, no município de Bonfim. Ele apresentou o modo de vida da comunidade e os desafios enfrentados pela agricultura tradicional. “A gente percebeu que a mata estava diminuindo, que a terra estava ficando ácida e que a comida já não dava mais. Então nos reunimos e decidimos parar as queimadas. A terra precisava respirar”, contou.

Emocionado, Fernando relatou as dificuldades vividas pelo seu povo e como, mesmo diante das perdas, encontraram força na união. “O poder público precisa chegar aonde está a necessidade. É lá na comunidade que se entende o que precisa mudar”, afirmou.
Com o apoio de iniciativas públicas, os moradores passaram a investir em manejo correto do solo, mecanização das roças e reaproveitamento sustentável das áreas produtivas. “As políticas públicas só são eficazes quando reconhecem e fortalecem nossos saberes”, disse.
A gestão pública que investe na comunidade, investe no futuro
Encerrando os pronunciamentos, a secretária de Estado dos Povos Indígenas de Roraima, Síria Maria Mota Bezerra, apresentou um panorama da realidade indígena do estado, onde 21% da população é indígena. A secretária destacou o trabalho da secretaria na promoção de autonomia, sustentabilidade e fortalecimento cultural. “Valorizar os povos indígenas é reconhecer a sabedoria que já existe há séculos e que pode nos ensinar a enfrentar o futuro. Não se trata apenas de garantir direitos, mas de garantir que suas vozes orientem as decisões públicas”, afirmou.

Síria explicou que o governo estadual tem atuado de forma integrada, aliando conhecimento técnico e saber tradicional, para que o desenvolvimento chegue de maneira justa às comunidades. “Não é chegar e impor, é ouvir, dialogar e construir juntos. Cada comunidade tem sua própria dinâmica e sua própria sabedoria. Nosso papel é aprender com elas e fortalecer o que já sabem fazer tão bem, que é viver em harmonia com a natureza”.
A secretária também destacou projetos que unem tradição e inovação, como a produção de farinha e ovos em comunidades indígenas, a piscicultura e o fortalecimento da cultura da mandioca, que já têm garantido renda e segurança alimentar às famílias.
Mediação
Após os relatos, a mediação de Valdélia Vieira dos Santos Lena, auditora de controle externo do TCE-RR e secretária de Avaliação e Monitoramento de Políticas Públicas do Tribunal, encerrou o painel em tom de reflexão e urgência. “Quase metade dos povos tradicionais da Amazônia, cerca de 42%, já se sente diretamente afetada pelos eventos climáticos extremos”, destacou.
Valdélia ressaltou, ainda, que a solução vem do protagonismo indígena. “O conhecimento da roça e o conhecimento da floresta são a tecnologia da resiliência que o mundo procura. O futuro do equilíbrio climático passa pela proteção inegociável dos povos indígenas”.
A mediadora encerrou dizendo que “hoje entendemos que não há justiça climática sem equidade, nem sustentabilidade sem ouvir quem cuida da floresta”.

Texto: Flávia Rezende (TCE-AM)
Foto: Joel Arthus (TCE-AM)
Edição: Ederson Marques (Atricon)