IV CITC: Ministros do STF destacam desafios fiscais, democráticos e de Direitos Humanos

A conferência de encerramento do IV Congresso Internacional dos Tribunais de Contas (CITC), realizada na manhã desta sexta-feira (5/12) em Florianópolis, reuniu algumas das principais lideranças do sistema de controle externo e do Judiciário brasileiro. Sob a condução do presidente da Atricon, Edilson Silva, o palco foi composto pelos ministros do STF Flávio Dino, Cármen Lúcia e André Mendonça, além de dirigentes das entidades nacionais do controle: Edilberto Pontes, presidente do Instituto Rui Barbosa (IRB); Nelson Pelegrino, presidente eleito da Abracom; Luiz Guaraná, presidente do CNPTC; e Milene Dias da Cunha, presidente da Audicon. Também participaram Herneus De Nadal, presidente do TCE-SC, e o desembargador catarinense Cid Goulart.

Coube ao ministro Flávio Dino abrir a conferência com uma fala que combinou referências históricas e alertas sobre os impasses democráticos contemporâneos. Ao evocar a inscrição romana senatus populusque romanus, o ministro relacionou o papel das instituições de controle à missão de garantir que a República não se desloque de seus princípios fundadores. Dino afirmou que o país vive uma era em que “a abusividade se rotinizou”, com práticas inicialmente próprias da internet migrando para o mundo real, sem controle ou responsabilidade. Segundo ele, cabe ao sistema de Justiça e aos órgãos de fiscalização estabelecer limites legítimos — não como censura, mas como salvaguarda democrática. “A democracia não vive só de coerção; ela demanda liturgia, consenso e confiança institucional”, disse.

Em sua fala final, Dino destacou que o Supremo Tribunal Federal tem o dever constitucional de preservar o equilíbrio entre responsabilidade fiscal e responsabilidade social, defendendo que o debate sobre renúncias fiscais, alíquotas e gastos tributários precisa ser enfrentado com transparência. O ministro afirmou que a sociedade atingiu “um grau de exaustão” em relação a novos impostos, mas insistiu na necessidade de qualificar as receitas e promover justiça tributária.

Critérios objetivos e impacto das decisões fiscais

Ao assumir a palavra, o ministro André Mendonça apresentou um panorama técnico da jurisprudência do STF em matéria financeira, destacando decisões que, segundo ele, têm impacto direto sobre o equilíbrio fiscal dos estados e sobre a atuação dos Tribunais de Contas. Mendonça citou obras recentes que sistematizam o debate federativo e ressaltou que o Supremo tem buscado consolidar critérios objetivos para avaliar benefícios fiscais e políticas orçamentárias. Ao comentar a ADI 5635, que analisou fundos de equilíbrio fiscal no Rio de Janeiro, o ministro afirmou que o Tribunal fixou um entendimento importante: “Benefícios fiscais não podem ser examinados de forma abstrata. É preciso avaliar caso a caso”.

Mendonça também detalhou julgamentos relacionados a limites constitucionais de gasto e à autonomia dos poderes, citando o caso de Pernambuco, no qual o STF suspendeu dispositivos que obrigavam o Executivo estadual a executar despesas sem previsão adequada. O ministro lembrou que a Corte considerou inconstitucional impor ao governo a abertura de créditos adicionais em prazo reduzido, especialmente em ano eleitoral. “Não se pode compelir o gestor a comprometer a responsabilidade fiscal do Estado”, disse, ao defender que a harmonia entre Legislativo e Executivo deve ser preservada para evitar abusos.

Em outro ponto da conferência, o ministro abordou decisões com forte repercussão para o controle externo, incluindo as que envolvem prescrição e inelegibilidade decorrente de rejeição de contas. Ele destacou que o STF e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) têm reforçado a necessidade de respeito aos marcos prescricionais e à coerência jurisprudencial. “Se a pretensão punitiva está prescrita, não há como subsistir condenação”, afirmou. Mendonça encerrou a palestra expressando admiração pelo trabalho dos Tribunais de Contas e reiterando que 2026 exigirá vigilância redobrada: “Ano eleitoral sempre demanda mais atenção, decisões precipitadas podem gerar danos irreversíveis ao interesse público”.

Direitos humanos e redução das desigualdades

“Lamentavelmente, estou falando em uma semana de muitos machucados, principalmente para nós mulheres, pelos números aterradores e cruéis de violências decorrentes de desigualdades por preconceitos e discriminação, que vimos em notícias nestes dias. Isso, numa sociedade que há quase quatro décadas tem uma Constituição na qual o princípio da igualdade é o mais repetido no sistema constitucional brasileiros”, com esta reflexão a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Carmen Lúcia, iniciou a sua participação.

A ministra refletiu sobre o quadro histórico de desigualdades por discriminação no Brasil. “Discriminação planejada, executada e desejada por quem detém o poder permanentemente”, criticou Carmen Lúcia.  A ministra destacou ainda que o direito é uma criação do ser humano, e a democracia existe para garantir as liberdades de todos os seres humanos, independente de sexo, raça, credo, cor, mas que “temos no Brasil um quadro de profunda desigualdade”, lamentou.

Ao apontar o constitucionalismo como caminho para uma sociedade mais justa, igualitária e solidária, Carmen Lúcia explicou que, por exemplo, a Constituição Federal de 1988 se preocupou e se ocupou do princípio da “igualdade” como ponto nuclear dos direitos humanos. “O constituinte de 87/88 retratou a grande chaga da sociedade brasileira – a desigualdade, “uma série de desigualdades forjada no preconceito para que algumas pessoas tivessem menos valor de humanidade do que outras, como se isso fosse possível”, refletiu.

A ministra concluiu sua apresentação destacando o papel dos tribunais de contas na defesa dos direitos humanos e na superação das desigualdades. “Os tribunais de contas tem sido historicamente uma instituição da maior importância, voltada a garantir a efetividade da publicidade, da transparência e do controle de contas públicas a partir dos gastos públicos”. Ela reforçou que a atuação dos TCs deve ser voltada à concretização dos objetivos da República, “e um deles é justamente permitir a diminuição de casos de violência de todo tipo de desigualdade por discriminação e preconceito”, enfatizou Carmen Lúcia.

Em reconhecimento às suas atuações institucionais, os três ministros foram agraciados com a Medalha Conselheiro Thiers Montebello. Carmen Lúcia e André Mendonça também foram condecorados com a Medalha da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil, condecoração entregue ao ministro Flávio Dino em 2024.

IV CITC

Com o tema “Tribunais de Contas: República, Democracia, Governança e Sustentabilidade”, o IV CITC acontece de 2 a 5 de dezembro no Centro de Convenções de Florianópolis (CentroSul). O evento é uma realização da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE-SC), Instituto Rui Barbosa (IRB), Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas, Associação Brasileira de Tribunais de Contas dos Municípios (Abracom) e Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros Substitutos dos Tribunais de Contas do Brasil (Audicon).

A realização da quarta edição do Congresso tem a parceria do governo do Estado de Santa Catarina, Prefeitura de Florianópolis, Prefeitura de Blumenau, Assembleia Legislativa e Grupo Baía Sul e patrocínio de Aegea, BID, BRDE, Celesc, Codemge, Cemig, CFA, CFC, CNI, FIESC, Sebrae, TechBiz, ABDI, BNDES, Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e Ministério da Fazenda.

Texto: Maria Thereza Cordeiro (TCE-SC), Lyniker Passos (TCM-GO) e João Paulo Aquino (TCE-RJ)

Edição: Jeferson Cioatto (TCE-SC)