Uma plateia lotada ouviu atentamente o historiador e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Leandro Karnal na manhã de hoje (24/nov), último dia do 29º Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil. O historiador, que é um dos palestrantes mais requisitados do País, discorreu sobre as questões estruturais que regem a ética e a moral da administração pública.
Ao falar da corrupção como algo socialmente aceito no Brasil, Karnal viajou ao século XV. “A corrupção é uma característica colonial”, afirmou. E especificou, com detalhes, a trajetória de desvirtuação ética que presenciamos. “O atestado falso que entregamos na escola dos nossos filhos é o mesmo que acabou com a maior petrolífera do país”.
Durante toda a palestra, ele destacou a importância do império da lei. “A vida com ética é sustentável. Estar inteiramente dentro da lei torna a vida fácil, despreocupada, saudável”, declarou. “Você pode enganar a poucos por algum tempo e enganar muitos por muito tempo, mas jamais conseguirá enganar a todos por todo o tempo”, citou, ao comentar a onda de prisões de nomes importantes da política brasileira. “Nunca na história deste país se viu nomes tão grandes indo para a cadeia. E isso é bom. Isso é muito bom”, comentou.
Sobre os escândalos envolvendo dinheiro público, Karnal demonstrou preocupação. “O roubo do dinheiro público é o crime mais grave que se pode cometer. Pois, quando roubo de uma empresa privada, prejudico a um dono, respondo ao código penal e vou pagar pelo meu crime. Mas quando roubo de uma empresa pública, eu estou roubando de todos. Isso é ainda mais grave”.
O palestrante realçou a importância de se ter políticos preocupados com o desenvolvimento social do país, em acabar com a taxa de analfabetismo, cuidar da saúde e da sustentabilidade. “Há décadas somos reféns de políticos preocupados com apenas três coisas: reeleger-se, eleger um sucessor e escapar da cadeia. E vemos cada um executá-las com graus de eficácia diferentes, não é mesmo?!”, satirizou.
O professor usou o discurso para evidenciar a necessidade que o país tem em investir em políticas que priorizem a educação. Durante sua argumentação, usou o exemplo da Coreia do Sul. “No início do século, esse país era, assim como nós, de terceiro mundo, com taxas de analfabetismo altíssimas. No fim da década de 1990, a Coreia se transformou em uma potência de primeiro mundo. Por quê? Porque em um determinado momento, decidiram investir 50% do PIB (Produto Interno Bruto) na educação. Pronto. Foi preciso apenas uma geração para que virasse o que é hoje”, explicou. O historiador evidenciou que isso só será possível quando conseguirmos políticos que pensam e planejam ações futuras.
Karnal contou que sonha com o dia em que escândalos com dinheiro do governo e corrupção na administração pública sejam casos raros, esporádicos. “Há dois anos, um empreiteiro disse, sem nenhum pudor, ‘no Brasil, sem fraudar a licitação, não se engue um muro’, que essa frase fique para trás, a ser estudada pelos nossos filhos e netos como um ato do passado”. Finalizando, delimitou o que espera para a gestão de nosso país. “Que a corrupção não seja a norma, a estrutura, a regra orgânica, a prática. É a luta que reúne a mim, a vocês da auditoria pública e a todos que sonham com um país diferente e mais justo, onde nunca atingiremos o paraíso, mas pelo menos não garantiremos o inferno”, concluiu.
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