Legalidade, responsabilidade fiscal e o papel do prefeito na condução da administração pública

Marco A. C. Rockenbach

O Brasil, enquanto Estado democrático de direito, fundamenta sua organização no princípio de que o conhecimento e o cumprimento das leis são essenciais para o pleno exercício da cidadania. Esse princípio se aplica de forma ainda mais intensa à gestão pública. Ao contrário do setor privado, onde tudo o que não é proibido é permitido, o gestor público só pode agir conforme o que está expressamente previsto em lei. Esse é o chamado princípio da legalidade estrita, e dele decorre a afirmativa comum de que o gestor público acaba ficando “escravo da lei”.

No exercício do mandato, o prefeito ocupa o cargo máximo da estrutura administrativa do município. Sua atuação deve estar permanentemente amparada pela legislação vigente, o que exige atenção redobrada às normas constitucionais, leis federais e demais instrumentos que regem a administração pública. A tomada de decisões sem a devida base legal pode gerar consequências graves, tanto para a gestão quanto para o próprio gestor, inclusive de ordem pessoal.

A Evolução do Município como Ente Federativo

Desde a promulgação da Constituição de 1988, os municípios passaram a ter autonomia plena, integrando a Federação com os mesmos direitos políticos, administrativos e financeiros que a União e os Estados. Com isso, o papel do prefeito foi significativamente ampliado, exigindo não apenas liderança política, mas também conhecimento técnico e responsabilidade fiscal.

A gestão pública municipal está estruturada sobre um conjunto de leis que determinam os limites e as possibilidades de atuação do Executivo. Três pilares merecem destaque:

  • Lei nº 4.320/64: Define normas gerais de direito financeiro, ainda em vigor, que regem a elaboração, execução e controle dos orçamentos públicos.
  • Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF): Estabelece limites de endividamento, metas fiscais, planejamento orçamentário e critérios de transparência.
  • Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos): Moderniza os processos de contratação pública, exigindo maior qualificação da equipe, adoção de tecnologia e critérios de sustentabilidade.

A correta aplicação das normas depende diretamente da atuação do prefeito e da qualificação de sua equipe. O chefe do Executivo deve garantir que os servidores — efetivos, comissionados e substitutos — estejam preparados para aplicar a legislação com rigor e responsabilidade, do orçamento à prestação de contas.

Um dos avanços da nova Lei de Licitações é o reforço à função pedagógica dos Tribunais de Contas, que passaram a ter papel ativo na formação dos gestores, por meio de cursos e ações de orientação (art. 173). Essa integração entre controle e capacitação é um passo importante para aprimorar a qualidade da gestão pública.

A figura do prefeito, mais do que símbolo político, é o guardião da legalidade municipal. Cabe a ele assegurar que os princípios constitucionais e legais sejam respeitados, que os recursos públicos sejam bem aplicados e que sua equipe esteja capacitada para atender às exigências técnicas do cargo.

Liderar com responsabilidade, investir em formação técnica e manter-se atualizado com as mudanças legais são ações essenciais para uma gestão pública eficiente, transparente e transformadora.

Sr. Prefeito: assuma sua liderança também como promotor da legalidade e da capacitação dentro da sua prefeitura. O futuro do seu município passa pela sua visão, mas depende, sobretudo, da forma como a lei é compreendida e aplicada no dia a dia da gestão.

Marco A. C. Rockenbach é secretário-geral da Presidência do TCE-MT