A responsabilidade fiscal é considerada uma conquista do país. Na base do crescimento econômico da metade dos anos 2000 estava também a Lei de Responsabilidade Fiscal e o apego aos seus princípios. No entanto, o que parecia estar consolidado, mostrou-se fragilizado mais recentemente.
A lição que estamos recebendo é que a vigilância sobre a transparência fiscal deve ser permanente; que a cultura da responsabilidade fiscal pode ser perdida. A tolerância com as infrações deve ser mínima. Os bons e os maus exemplos da União propagam-se rapidamente para os estados e municípios; e não é bom para o país que ruins sejam os exemplos.
O papel dos tribunais de contas, em especial do Tribunal de Contas da União, no qual se espelham os demais tribunais, é de importância ímpar. Uma das mais relevantes funções do TCU é a de revelar a “verdade fiscal”, que deve estar refletida no Orçamento, documento político mais importante da Nação, e na sua escorreita execução.
O Congresso criou o Tribunal de Contas na primeira Constituição da República, sob inspiração de Rui Barbosa, para fiscalizar o cumprimento do Orçamento e assegurar a fiabilidade das contas públicas. As sucessivas constituições ampliaram suas atribuições e autonomia, combinadas com a função de auxiliar o Congresso Nacional no exercício do controle externo, em especial, pela emissão de parecer prévio sobre as contas do presidente da República, a serem julgadas pela instituição máxima de representação da sociedade: o Poder Legislativo.
A Lei de Responsabilidade Fiscal deu aos tribunais de contas novas competências, entre elas a de fiscalizar o cumprimento das metas fixadas na lei de diretrizes orçamentárias. Essa lei, marco histórico, trancou a porta do financiamento indevido dos governos por seus bancos públicos, que vinha sendo fechada pelas medidas de saneamento tomadas no final dos anos 1990. Tornou obrigatório o planejamento fiscal e o acompanhamento permanente e rigoroso das despesas, para compatibilizá-las com as receitas e com o endividamento responsável.
Remanesce, contudo, o desafio institucional permanente de termos, ano a ano, do Executivo e do Congresso, um Orçamento real, sem despesas subavaliadas ou camufladas, sem receitas superavaliadas; o desafio de ver uma execução transparente, baseada sempre em revisões sérias e realistas, em especial em períodos eleitorais.
Ao fiscalizar a execução do Orçamento e auditar as contas da União, agora à luz também da Lei de Responsabilidade Fiscal, o TCU cumpre sua missão constitucional para com o Congresso e diretamente para com a sociedade. Que outra instituição poderia apontar, imparcial e tecnicamente, a verdade orçamentária?
A análise realizada no parecer prévio sobre as contas de governo de 2014 foi detalhada, robusta, plena de contraditório. O contraditório, aliás, contribuiu imensamente para a robustez das análises. Mostrou-se o contexto de um agregado de infrações aos princípios orçamentários, contábeis e de responsabilidade fiscal, relevantes isoladamente e mais relevantes ainda em seu conjunto.
É direito nosso, dos cidadãos, saber a tempo a situação orçamentária. Na democracia, na vida coletiva, o bônus de usufruir dos benefícios do Estado vem acompanhado do ônus de partilhar os sacrifícios para seu financiamento. Ocultar a realidade das finanças públicas é ferir a democracia substantiva; é desrespeitar o eleitor, que se deseja decida bem informado.
O TCU, cuja missão declarada é a “fiscalização a serviço da sociedade”, fez história; não porque queria, mas porque chamado pela gravidade dos fatos e do contexto a pronunciar-se em consonância com os novos tempos das instituiçōes e anseios brasileiros, com rigor técnico e jurídico.
Weder de Oliveira é Ministro-Substituto do TCU