Limitação de gastos dos Tribunais de Contas – um bom caminho?!

por Inaldo da Paixão Santos Araújo*

No mundo empresarial, uma das frases de que mais gosto é “Se eu tivesse um único dólar, investiria em propaganda”, atribuída a Henry Ford. Inspirado nesse pensar, afirmo que, em termos de gestão pública, se me restassem apenas dois reais, um eu investiria em controle e em transparência.

Uso esse paralelo tão somente para registrar a importância do binômio transparência e controle para uma boa governança.

São inquestionáveis os avanços alcançados em termos de administração pública, no país, em face da Constituição de 1988 e da aprovação das leis de Responsabilidade Fiscal – LRF, de Acesso à Informação, da Ficha Limpa e de Improbidade Administrativa. Contudo não se conseguirá jamais a eficácia plena desse arcabouço normativo sem a transparente divulgação da execução orçamentária, assim como do imprescindível bom controle.

Quando destaco o bom controle, refiro-me principalmente ao controle independente, sob a responsabilidade de técnicos qualificados, providos em seus cargos por mérito, com avançadas ferramentas de tecnologia da informação e contando com adequadas instalações de trabalho. Dessa forma, sempre é bom investir em controle!

Fiel a essas premissas, considero estranha a Proposta de Emenda à Constituição – PEC nº 30/2014, já aprovada em 1º turno pelo Senado.

De iniciativa do senador João Capiberibe, a PEC nº 30/2014 fixa limite para as despesas dos Tribunais de Contas dos Estados, Distrito Federal e das Assembleias Legislativas. Assim, esses órgãos, sob pena de crime de responsabilidade, não poderão executar, anualmente, a partir do exercício financeiro de 2017, sem qualquer exclusão ou exceção, valor que supere a despesa realizada no exercício financeiro de 2016, corrigido pela variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, ou de outro índice que venha a substituí-lo.

Sempre ecoam favoravelmente propostas que visem à redução de gastos públicos. Ocorre que nem sempre o não gastar significa economizar. À guisa de exemplo, a falta de manutenção de um equipamento público por suposta “economia de gastos” pode representar um dispêndio muito maior ao da necessária recuperação ou reposição desse mesmo equipamento.

De igual modo, restringir as ações de controle externo, por imposição de limites orçamentários, sem bases justificáveis, pode acarretar prejuízos significativos ao erário. Além disso, a adoção desse mecanismo, proposto na PEC nº 30/2014, vai de encontro ao disposto na Declaração de Lima, aprovada em outubro de 1977, pela Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores – INTOSAI, que, para garantir a independência, preconiza, na Seção 7.1, que as entidades fiscalizadoras devem dispor de recursos financeiros para desenvolver suas tarefas.

No caso específico do Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE/BA), o seu orçamento representa 0,53% do volume de recursos previstos para serem geridos pelo Estado no transcurso do exercício financeiro de 2016. Percentual esse muito inferior ao padrão internacional aceito para fins de controle, que é de 1%.

Dessa forma, cada vez mais se tornam necessárias análises do custo-benefício do controle e não somente a adoção de medidas restritivas sem o devido fundamento, o que nunca será um bom caminho. Não esquecendo que o Decreto-lei nº 200, de 25/02/1967, em seu art. 14, em nome da racionalização, já previa a “supressão de contrôles que se evidenciarem como puramente formais ou cujo custo seja evidentemente superior ao risco”.

Uma proposta de limitação dos gastos dos Tribunais de Contas brasileiros, concebida sem um amparo científico e metodológico de estudos e dados para a sua necessidade (nos termos da Nota Pública emitida conjuntamente pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil – ATRICON e pela Associação Brasileira de Tribunais de Contas dos Municípios – ABRACOM, disponível em www.atricon.org.br), em minha opinião, pode representar um freio perigoso à imprescindível ação do controle das coisas públicas, que, em tempos tão conturbados, continuam órfãs, como bem disse o ex-presidente do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, Desembargador Eserval Rocha.

Em tempos de tantas revelações relacionadas à malversação no uso de recursos públicos, nos quais deveriam estar sendo discutidas e implementadas medidas de fortalecimento das ações de transparência e de controle, somente causa espécie a tentativa parlamentar de restringir investimentos em órgãos que existem para cuidar do que é do povo.

Inaldo da Paixão Santos Araújo é Mestre em Contabilidade, Presidente do Tribunal de Contas do Estado da Bahia, professor e escritor.