Em 15 e 16 de setembro, ocorreu, em Manaus, o I Congresso Ambiental dos tribunais de contas, promovido pelos tribunais de contas amazônicos, por entidades que congregam essas Cortes e seus membros, tais como a Associação Atricon e o Instituto Rui Barbosa (IRB), em parceria com a Transparência Internacional, a coalizão Mapbiomas, a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), dentre outras instituições devotadas ao combate à corrupção e à defesa do meio ambiente.
Em pauta, o fortalecimento do Sistema Tribunais de Contas para repressão ao desmatamento ilegal que ameaça a integridade do bioma Floresta Amazônica. Palestras e palestrantes de alto nível e, ao final, termo de cooperação entre os tribunais de contas da Amazônia Legal e o lançamento da correspondente “carta pela Amazônia”, compromisso solene de providências concretas, imediatas, sistêmicas e integradas em prol do objetivo do evento.
Mas o que os tribunais de contas, que desempenham o controle externo da Administração Pública, tem a ver com a defesa do meio ambiente e da Amazônia? O questionamento não é incomum, mesmo entre os operadores do direito. Há quem até mesmo cogite aparente usurpação de função judiciária e ativismo ilegítimo, “fora das quatro linhas da Constituição”.
Isso se deve a uma visão demasiadamente apegada a antigos e ultrapassados conceitos de contabilidade e de finanças públicas, que ainda desconsideravam o componente da gestão ambiental nas contas públicas. A moderna contabilidade ambiental, especialmente a baseada na economia ecológica e nas finanças verdes, inseriu definitivamente o assunto na pauta de trabalho dos tribunais de contas.
Quem diz hoje controle financeiro, contábil e orçamentário da administração pública não pode ignorar os ativos socioambientais do Estado, que, a despeito de precariamente monetizados, valem certamente uma grande e imensurável fortuna no patrimônio público, não bastassem significarem questão de vida ou morte para a preservação da saúde e da qualidade existencial das presentes e futuras gerações.
A esse respeito, é oportuno destacar o desafio inadiável de o Brasil avançar na concretização dos ditames da Lei nº 13.493/2017, que estabelece o dever de cálculo do Produto Interno Verde PIV, equivalente ao patrimônio ecológico nacional, com vistas à consolidação de sistema de contas ambientais em convergência com os adotados em outros Países.
Ora, a Amazônia é o nosso maior ativo ambiental, declarado constitucionalmente como patrimônio nacional das presentes e futuras gerações, a mercê de mais enfática proteção pelo Poder Público e pela sociedade! Aliás, segundo o art. 225 da Constituição, não só a Amazônia, mas o próprio equilíbrio ecológico em abstrato e os recursos naturais com função ecológica constituem bem público de uso comum do povo em sentido especial.
Igualmente, aos tribunais de contas compete avaliar os passivos ambientais estatais, com auxílio da contabilidade de custos. Por seu intermédio, afastam-se danos socioambientais e externalidades negativas pelos quais o Estado e seus agentes devam responder, tanto como poluidor causador, bem como por motivo de omissão de fiscalização e de regulação.
Por outro lado, os tribunais de contas enfrentam invariavelmente a temática ecológica ao avaliar os orçamentos públicos, tendo em vista o caráter eminentemente programático destes, onde se espelham todas as políticas públicas. A lei do plano plurianual (PPA) elenca todos os programas e ações estatais de médio prazo, dentre os quais, os voltados à defesa do meio ambiente, do clima e das florestas, do combate à poluição e de promoção do desenvolvimento sustentável.
E não há nisso nenhuma mácula ao Poder Judiciário. A este último é reservado o papel de compor os litígios garantindo tutela contra ameaça e lesão a direitos individuais e coletivos. Sem rivalizar nem em nada subtrair, ao contrário, oferecendo valiosas contribuições à instrução de ações coletivas, o sistema tribunais de contas faz avaliações técnicas estruturais, operacionais, patrimoniais e sistêmicas, estando adequadamente munido de recursos para acompanhar paulatinamente a execução das políticas públicas, como indutor de seu desenvolvimento e melhoria progressivos, com o suporte de seu plantel de auditores de carreira.
Que sejam bem-sucedidos em sua nobre empreitada os tribunais de contas amazônicos!
Ruy Marcelo — Procurador do Ministério Público de Contas do Amazonas