A Lei de Responsabilidade Fiscal foi projetada para funcionar sustentada sobre cinco pilares normativos: a proibição do financiamento dos estados e municípios pela União; o controle das despesas de pessoal; o controle das despesas obrigatórias; a disciplina da renúncia de receitas; e o controle da dívida pública pela fixação de meta de resultado fiscal.
O controle das despesas obrigatórias não foi além do projeto; está na lei, mas não saiu do papel. Benefícios tributários foram concedidos durante muitos anos apontando-se como compensação da renúncia de receita medidas não previstas expressamente na LRF, até essa prática ser proibida pelo Tribunal de Contas da União. A regulação das despesas com pessoal se mostrou razoavelmente efetiva, mas as restrições foram contornadas onde se revelaram demasiadamente inconvenientes, mediante modelagens e interpretações casuísticas, admitidas por quem podia rejeitá-las.
Os dois pilares que mais bem lhe apoiavam enfraqueceram nos anos recentes. A proibição do refinanciamento dos entes federados foi revista e a funcionalidade da política fiscal baseada no resultado primário esmaeceu.
Projeções irrealistas do crescimento econômico, da arrecadação e das despesas obrigatórias, estratégia de escamoteamento e postergação do enfrentamento dos problemas fiscais, vêm levando a repetidas e previsíveis revisões da meta ao longo da execução do Orçamento. O resultado primário deixou de ser âncora fiscal para se tornar intenção fiscal. Há, porém, problemas jurídicos nessa conversão.
A LRF determina que a lei de diretrizes orçamentárias estabeleça a meta de resultado primário para o ano futuro, qualquer que seja ele: superávit, expressivo ou não, ou mesmo déficit. Cabe ao Executivo propor a meta ao Legislativo, consistente com sua política econômica, seu programa de governo e projeções técnicas robustas de despesas e receitas. Exceto por contingências econômicas imprevisíveis, se a meta logo se revelar mal definida e inviável, a responsabilidade principal pelo “erro” e o ônus maior de corrigi-lo serão de quem a propôs, pois raramente o Legislativo diverge da proposta de resultado fiscal feita pelo Governo.
Os poderes Executivo e Legislativo, ao aprovarem a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei 10.028/2000, que trata dos crimes e infrações administrativas contra as finanças públicas, deram disciplina rigorosa à fixação e ao cumprimento do resultado fiscal.
Deixar de propor meta fiscal na LDO constitui infração a ser apurada pelo Tribunal de Contas e punida com multa de 30% dos vencimentos anuais. Essa tipificação alcança também a hipótese de proposição de resultado primário claramente em descompasso com a política e a realidade econômicas, caso em que a meta assim fixada será instrumento inútil ao controle fiscal e à sua razão de ser, produzindo os mesmos efeitos práticos que decorrem da ausência de meta.
A programação dos orçamentos deve, obrigatoriamente, ser compatível com a meta fiscal (LRF, art. 5º, I). Isso quer dizer que o resultado primário estabelecido na LDO estará refletido na lei orçamentária aprovada, o que não poderia ser diferente, devendo ser preservado em todas as alterações promovidas no Orçamento ao longo do ano mediante créditos adicionais, independentemente de serem abertos por lei ou por decreto.
A LRF criou sistemática precisa de viabilização do cumprimento da meta fiscal: a reavaliação de receitas e despesas a cada dois meses, acompanhada, se necessário, da restrição compulsória ao uso das dotações do Orçamento e ao desembolso financeiro. Para enforcement desse procedimento, o Congresso estabeleceu na Lei 10.028/2000 que deixar de limitar o empenho e a movimentação financeira nos casos e condições estabelecidos em lei constitui infração administrativa contra as finanças públicas. E não basta promover reavaliações e contingenciamentos quaisquer, formais, intentando aparente cumprimento da LRF. Deve-se proceder segundo premissas consistentes com a realidade percebida e reportada pelos demais atores econômicos.
Seguir esse procedimento não é uma decisão discricionária dos gestores das finanças estatais. É uma imposição legal. Nos termos em que o modelo foi regulado pela LRF e complementado pela Lei 10.028, a meta fiscal não é um compromisso unilateral a ser cumprido na medida do “politicamente possível” assumido sob a forma de lei, o que a tornaria método ineficaz de ajuste do Orçamento e de ancoragem de expectativas.
Constatando o Executivo que os parâmetros fiscais e econômicos se alteraram substancialmente, ou que foram irrealisticamente assumidos, sendo inviável o alcance da meta tão somente pelo recurso à limitação de empenho e movimentação financeira, deve requerer ao Legislativo a alteração da LDO. Se, em última análise, foi o Congresso que fixou a meta, por iniciativa privativa do Governo, será o Congresso, por nova proposta do Governo, que deverá alterá-la (ou não). Enquanto assim não se procede, a lei está em vigor, as obrigações definidas na LRF estão em vigor e, não sendo cumpridas, ocorrem as infrações e incidem as sanções previstas na referida Lei 10.028.
Não querendo o Executivo se ver dependente do Congresso para desobrigar-se daquilo a que se obrigou em lei, não deve propor o que não poderá entregar, porque o que a lei estabeleceu será, por determinação legal, fiscalizado pelo Tribunal de Contas (LRF, art. 59; Lei 10.028, art. 5º) e pelo próprio Legislativo.
Metas fiscais condicionam ações futuras. Não são fixadas a posteriori. Alterações no curso do exercício implicam apenas o condicionamento da execução orçamentária e financeira ainda por realizar. A LDO, cujas funções estão expressas na Constituição, não veicula dispositivo que convalide condutas omissivas e atos ilegais pretéritos. É uma lei orçamentária e financeira para o futuro, e são esses os seus efeitos.
Se a responsabilidade, a transparência, a verdade e a eficiência fiscais são valores a serem preservados, esta noção precisa ser resgatada: meta fiscal não é intenção, é lei.
Weder de Oliveira é Ministro-Substituto do Tribunal de Contas da União, 3º vice-presidente da Atricon e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público. Autor do livro Curso de Responsabilidade Fiscal: Direito, Orçamento e Finanças Públicas.