* por Domingos Dissei
Um dos desafios de um órgão de controle externo, como o Tribunal de Contas, compreende efetivar atuação preventiva para resguardar desperdício do dinheiro arrecadado pelo Estado na forma de tributo e que deve retornar como serviços/benefícios ao contribuinte.
Quando o gasto do recurso público envolve obras ou serviços de engenharia redobram-se os desafios para que paralisações sejam evitadas e o bem público almejado possa ser, de fato, alcançado e usufruído pela sociedade.
Há unanimidade quando se aponta como uma das maiores causas das paralisações de obras ou serviços públicos de engenharia as irregularidades ou inconsistências envolvendo o projeto do empreendimento pretendido.
Como se sabe, as obras e serviços públicos somente poderão ser licitados quando houver termo de referência, anteprojeto ou o projeto básico aprovado pela autoridade competente. Um projeto básico inconsistente repercute nos próprios elementos essenciais para sua efetivação, a começar pela previsão dos próprios recursos orçamentários necessários para assegurar o seu pagamento e propiciar que o gestor público conduza a obra até o seu fim.
Mas não basta que a obra pública chegue ao seu fim. Isso é o básico. A obra ou o serviço público perspectivado haverá de cumprir igualmente a sua finalidade de ser útil à sociedade, atingindo o interesse público, o bem comum. E para respaldar e indicar sua real utilidade e eficácia, imprescindível a participação da sociedade, mediante consultas públicas ou em audiências de orçamento participativo com os representantes legislativos.
Por isso mesmo, são bem-vindas as normas legais e regulamentares dispondo mais detalhadamente sobre os elementos do termo de referência, do anteprojeto ou do projeto básico, pois, se devidamente observados, seguramente aumentar-se-á a probabilidade de a obra ou serviço de engenharia contratado ser concluído, sem que haja inúmeros e indesejáveis aditamentos que, a final, poderão ensejar adiamentos na execução e tornarão a empreitada muito mais cara do que fora inicialmente prevista, causando prejuízo ao erário.
Nessa perspectiva, a nova Lei de Licitações estabeleceu diretrizes sobre os elementos essenciais do projeto básico:
Devem ser feitos levantamentos topográficos e cadastrais, sondagens e ensaios geotécnicos, ensaios e análises laboratoriais, estudos socioambientais e demais dados e levantamentos necessários para execução da solução escolhida. Precisam ser elaboradas soluções técnicas globais e localizadas, suficientemente detalhadas, de forma a evitar, por ocasião da elaboração do projeto executivo e da realização das obras e montagem, a necessidade de reformulações ou variantes quanto à qualidade, ao preço e ao prazo inicialmente definidos. É imprescindível a identificação dos tipos de serviços a executar e dos materiais e equipamentos a incorporar à obra, bem como das suas especificações, de modo a assegurar os melhores resultados para o empreendimento e a segurança executiva na utilização do objeto, para os fins a que se destina, considerados os riscos e os perigos identificáveis, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução. Deve haver informações que possibilitem o estudo e a definição de métodos construtivos, de instalações provisórias e de condições organizacionais para a obra, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução. Subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra, compreendidos a sua programação, a estratégia de suprimentos, as normas de fiscalização e outros dados necessários em cada caso. Faz-se imprescindível um orçamento detalhado do custo global da obra, fundamentado em quantitativos de serviços e fornecimentos propriamente avaliados, obrigatório exclusivamente para empreitada por preço unitário, empreitada por preço global, empreitada integral, contratação por tarefa e fornecimento e prestação de serviço associado.
A norma assinala também que, em se tratando de projeto de obra, o recebimento definitivo pela Administração não eximirá o projetista ou o consultor da responsabilidade objetiva por todos os danos causados por falha de projeto.
É de se observar, ainda, que a nova Lei de Licitações impõe até mesmo responsabilização penal, cominando pena de reclusão de seis meses a três anos e multa, para a omissão grave de dado ou de informação por projetista em contratação para a elaboração de projeto básico, projeto executivo ou anteprojeto.
Com foco em lançar mais orientações sobre a matéria, o Tribunal de Contas do Município de São Paulo – TCMSP estabeleceu, em Instrução Normativa, que a Administração deverá, ainda, criar instrumentos de registro e de gestão centralizada de programas, projetos, cadastros, drenagem, melhoramentos viários, empreendimentos desenvolvidos pelos órgãos e entidades que a compõem, bem como de todas as informações sobre intervenções urbanas.
O TCMSP indicou também que a contratação de obras e de serviços de engenharia pela Administração haverá de observar os atos normativos próprios, quando existentes, e as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT. E até que sejam elaboradas todas as normas necessárias, a Administração poderá utilizar-se das orientações técnicas editadas pelo Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas – IBRAOP. Os autores de projeto básico, sejam eles contratados ou pertencentes ao quadro técnico do órgão contratante, deverão providenciar a Anotação de Responsabilidade Técnica – ART ou Registro de Responsabilidade Técnica – RRT, conforme o caso, regulamentados mediante resoluções específicas do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia – CONFEA e do Conselho Federal de Arquitetura e Urbanismo – CAU.
Enfim, são disposições que buscam sublinhar a importância do planejamento administrativo, a imprescindibilidade de projetos básicos feitos com cautela, sem açodamento, com estudos técnicos pormenorizados a sustentar a realização de bons serviços e grandes obras públicas, buscando-se melhorar o cotidiano dos contribuintes que, presumivelmente, haverão de reconhecer que os tributos por eles recolhidos retornaram efetivamente na forma de boas obras e de bons serviços públicos.
* Engenheiro, foi Vereador paulistano em quatro legislaturas seguidas, Secretário Municipal das Administrações Regionais da capital, é Conselheiro do Tribunal de Contas do Município de São Paulo – TCMSP desde 2012.