O Alto Percentual de Indicações Políticas na Administração Pública Brasileira

Por Felipe Galvão Puccioni*

“A discussão sobre o Brasil que queremos passa, irremediavelmente, por uma análise profunda de seu aparato estatal”

Esse artigo visa a evidenciar o alto grau de contratações, sem concurso público, realizadas na administração pública brasileira. Segundo a visão de Peter Evans (2004), uma burocracia mais próxima ao modelo de Weber seria um ingrediente básico para uma organização ter mais autonomia e eficiência na sua atuação. Assim, o grande número de admissões nos governos federal, estaduais e municipais sem qualquer processo de seleção por mérito seria uma das causas marcantes do clientelismo, do nepotismo, da corrupção e da ineficiência do aparato estatal no Brasil, sendo, portanto, uma barreira ao desenvolvimento. Buscar-se-á demonstrar o pressuposto com base em dados extraídos da Secretaria de Gestão Pública do Ministério do Planejamento para o governo federal. A partir desses dados evidencia-se que ainda há grandes diferenças com relação à utilização de seleções racionais entre os governos federais dos EUA, do Japão e do Brasil, com informações extraídas de Evans (2004) e Nascimento (1967). Os estudos intitulados Perfil dos Estados Brasileiros 2013 e Perfil dos Municípios Brasileiros 2013, ambos realizados pelo IBGE, fornecerão dados que, em comparação com o governo federal, mostrarão a maior adequação do governo federal à utilização do mérito para entrada nos seus quadros de servidores em confronto com estados e municípios.

INTRODUÇÃO

O tema utiliza como premissa do problema enfrentado pelo Brasil que “é a falta de burocracia no sentido de Max Weber que afeta o desenvolvimento, e não sua prevalência” (EVANS, 2004). A contratação de funcionários de forma a escolher o mais competente e especializado para exercer determinada função é um requisito da organização burocrática idealizada por Weber. No Brasil, as contratações para os cargos ou empregos públicos, de acordo com o artigo 37, incisos I e II, da CF/88, devem ser realizadas por concurso público de provas ou de provas e títulos. O concurso público é a única forma de seleção racional para ocupação dos cargos no Estado brasileiro. É o procedimento administrativo que tem como objetivo avaliar as aptidões de cada concorrente e escolher os melhores para o exercício dos cargos e funções públicas. As exceções são: o ingresso nos cargos em comissão (art. 37, II); nas funções de confiança desde que seja servidor ocupante de cargo efetivo (art. 37, V); nomeação dos membros dos tribunais (art. 73 § 2º, 94, 101, 104, p. único, II, 107, 111, § 2º, 119, II, 120, III e 123); e os servidores contratados temporariamente com base no art. 37, IX.

O pesquisador Kleber Nascimento, ao fazer referência à tentativa do governo brasileiro de instituir de forma geral alguma forma de seleção por mérito para contratação de pessoal na administração pública, assim afirmou:

“Ao longo desses trinta e tantos anos de esforço reformista, não há como negar a distância entre os objetivos e as conquistas da reforma, em todas as áreas. Em administração de pessoal, por exemplo, o sistema de mérito, apesar de constitucionalmente prescrito desde 1934, não chega ainda a abranger, segundo estatísticas insuspeitas do DASP, mais que 10% do funcionalismo civil. Tivesse o mandamento constitucional sido observado, e tendo em vista as aposentadorias, mortes, demissões, exonerações e outras formas de vacância, pelo menos 90% do funcionalismo atual teriam ingressado no serviço público mediante alguma forma de concurso. (Nascimento, 1967, p. 3)”

O concurso público foi definido como regra de seleção de funcionários para o poder público desde a Constituição de 1934. Entretanto, nas administrações públicas federal, estaduais e municipais ainda há grande margem para contratações livres de qualquer seleção meritória. Essas nomeações sem qualquer seleção, minam a eficiência do Estado brasileiro. Ao invés de ter um aparato técnico, eficiente e profissional para o atendimento dos anseios da população, a administração pública torna-se um nicho de práticas imorais como o clientelismo e o nepotismo.

GOVERNO FEDERAL

O total de funcionários da União em junho de 2014, de acordo com a Tabela 1 abaixo, chegava a 1.184.169, sendo que desse total apenas o Poder Executivo Federal somava 1.031.526 de servidores. Ou seja, 87,11% do total de servidores da União. Por economia de recursos e de tempo, e pelo peso demonstrado em relação ao total, concentra-se a análise sobre esse Poder.

Os cargos de Direção e Assessoramento Superior – DAS, no Poder Executivo Federal, são de livre nomeação e exoneração do Presidente. De acordo com Gráfico 1 abaixo, o Presidente da República Federativa do Brasil, em 2014, tinha o poder de indicar mais de 22 mil funcionários só levando em conta os cargos de DAS (alta direção). O aumento em relação ao ano de 1998 foi de 32,3%. Isso mostra que o número de livres nomeações realizadas pelo Chefe do Poder Executivo brasileiro, utilizando-se desses cargos, tem crescido bastante com os anos.

A título de comparação, o pesquisador Ben Schneider (1987a, p. 5, 212, 644 apud EVANS, 2004, p. 95) afirma que os primeiros-ministros japoneses tem poder de indicar apenas dezenas de dirigentes e os presidentes americanos centenas.

Se levarmos em conta, além dos cargos de DAS, os outros tipos de nomeação sem necessidade de qualquer seleção como as funções de confiança e outros tipos de cargos em comissão e gratificações, o número de indicações, sem qualquer seleção, chega a 97.048 (junho de 2014) de acordo com dados da SEGEP (s.d.). O aumento em relação ao ano 1998 chega a 42%.

No sentido oposto, em menos de 2 anos – em 2012 havia 187.645 cargos efetivos vagos e em 2014 havia 223.120 – houve um aumento de quase 20% no número de cargos efetivos vagos (providos por concurso)

Os dados acima demonstram o grande número de funcionários públicos do Poder Executivo Federal – sejam os de cargo em comissão do alto escalão (DAS) ou os dos outros tipos, as funções de confiança e as gratificações – nomeados sem qualquer espécie de seleção meritória.

Em que pese ser quantitativamente alto o número de cargos de livre nomeação em âmbito federal, conforme as informações da Tabela 2 acima, pode-se inferir que 91,7% dos funcionários ativos (excluindo os funcionários das empresas públicas e sociedades de economia mista) do Poder Executivo Federal, em junho de 2014, tinham passado por concurso público.

ESTADOS

Os estados brasileiros no ano de 2013, de acordo com o Gráfico 2 abaixo, tinham 115.589 funcionários apenas com cargo em comissão[1]. E os funcionários sem vínculo permanente[2] somavam 475.718. De acordo com IBGE (2014), de um total de 3.163.272 de pessoas ocupadas nas administrações direta e indireta dos estados, em torno de 80% eram estatutários ou celetistas (regidos pela CLT) e, obrigatoriamente, passaram por concurso público[3]. Os funcionários públicos estaduais somente comissionados eram 3,6% do total e os sem vínculo permanente 15%. Conclui-se que aproximadamente[4] 20% dos funcionários públicos dos estados não passaram por uma seleção racional.

De acordo com dados de IBGE (2014), de 2012 a 2013 nas administrações diretas e indiretas estaduais houve um aumento nos conjuntos de funcionários sem vínculo permanente (13,6%), estagiários (10,7%) e somente comissionados (9,9%), ou seja, um aumento nos funcionários que, em geral, não passam por nenhuma espécie de seleção por competência. Entretanto houve redução de estatutários (-1,7%) e dos celetistas na administração pública estadual (-17,1%).

MUNICÍPIOS

Os municípios brasileiros em 2013 empregavam 6.358.130 de pessoas nas administrações diretas e indiretas, e desse total 72,58% eram estatutários ou celetistas conforme infere-se da Tabela 1 abaixo e, portanto, passaram por concurso público. Assim, o total de pessoal ocupado no setor público dos municípios, sem ter provavelmente passado por alguma seleção meritória, chega a mais um milhão e meio (1.743.212). Número assustador.

Uma análise da Tabela 3 revela que o número absoluto dos funcionários sem vínculo permanente era de 756.384 em 2005 e passou 1.118.284. Já os somente comissionados que eram, em números absolutos, 399.003 em 2005, chegaram a 515.549 em 2013.

CONCLUSÃO

O governo federal está muito atrás de países como os EUA – em que o Chefe do Executivo federal pode indicar centenas de agentes públicos – e como o Japão, onde o poder de indicação do primeiro-ministro não chega a uma centena de cargos. O número de cargos de DAS chega a quase 23 mil, e se levarmos em conta outros tipos de cargos em comissão, funções de confiança e gratificações, que independem de qualquer seleção racional, o poder de nomeação livre do Presidente chega a 97 mil.

Entretanto, a União está à frente dos estados e municípios quando o quesito é o uso do mérito na contratação de funcionários. No Poder Executivo Federal, 91,7% de seus funcionários ativos passaram por concursos públicos. Nos estados e municípios o percentual de funcionários que passaram por concurso público é de 80% e 72,58% respectivamente. Entretanto, no governo federal o número de cargos de DAS chega a quase 23 mil, e se levarmos em conta outros tipos de cargos em comissão, funções de confiança e gratificações, que independem de qualquer seleção racional, esse valor chega a 97 mil.

A partir dos dados coletados percebe-se que em todas as esferas há uma grande margem para contratações sem a necessidade de qualquer seleção racional. Apesar de o governo federal ter um percentual maior de servidores concursados em seus quadros quando comparado a estados e municípios, continua sendo um enorme poder nas mãos do Chefe do Executivo e fonte contínua de concentração de forças pelo Poder Executivo.

Levando-se em conta que estados e municípios juntos têm 9 vezes mais funcionários públicos que a União, ao se contabilizar de forma unificada todos os entes, chega-se a triste realidade de que há, na média, um elevado espaço para indicações políticas no estado brasileiro acima de 20% do total de funcionários. Isto é, aproximadamente 2 milhões de agentes públicos adentraram nas administrações diretas e indiretas por meio de indicações políticas. Não à toa o Estado brasileiro é conhecido como um grande cabide de empregos em que o clientelismo e o nepotismo são utilizados como moeda de troca política.

*Quem é Felipe Galvão Puccioni

Aos 35 anos (idade mínima, segundo a Constituição, para ocupar o cargo de Conselheiro de Tribunal de Contas), tomou posse no cargo de Conselheiro da Corte de Contas carioca, no dia 23 de março de 2017. Foi o primeiro Conselheiro do Tribunal de Contas da Cidade do Rio advindo da carreira de Conselheiro-Substituto (Auditor Magistrado do art. 73, § 4º da CF/88), após aprovação em primeiro lugar em concurso público.
Mestre em Administração Pública (EBAPE/FGV, 2016). Especialista em Políticas Públicas (Instituto de Economia/UFRJ, 2011). Cursou Engenharia de 2001 a 2005 na UFRJ. É Bacharel em Matemática Pura (UFRJ, 2008) e graduando em Direito na Escola de Direito da FGV-Rio.