Edilson Silva
O Brasil vive um tempo que exige coragem institucional, cooperação entre os Poderes e sensibilidade com as desigualdades sociais. Em meio à complexidade dos desafios econômicos e ao cenário de escassez de recursos, torna-se cada vez mais urgente garantir que os investimentos públicos resultem em benefícios concretos à população — especialmente aos mais vulneráveis.
É nesse contexto que os Tribunais de Contas assumem um papel estratégico. Mais do que órgãos técnicos de fiscalização e julgamento de contas, são instituições de Estado vocacionadas a induzir boas práticas e a orientar políticas públicas efetivas, eficientes e justas.
A Constituição Federal de 1988 conferiu aos Tribunais de Contas a relevante tarefa de auxiliar o Poder Legislativo no controle externo da Administração Pública. Mas essa missão não se restringe à legalidade contábil. Os Tribunais devem também avaliar o desempenho das políticas públicas, analisando resultados e impactos sociais. Avaliar se as crianças estão aprendendo, se os serviços de saúde estão funcionando, se os programas sociais estão alcançando quem mais precisa — eis o verdadeiro sentido do controle com responsabilidade social.
Exemplos não faltam. Destaco a Auditoria Nacional da Primeira Infância, uma ação conjunta de 29 Tribunais de Contas sob a coordenação da Atricon, do Instituto Rui Barbosa e da Rede Integrar. A auditoria analisou a efetividade dos programas “Criança Feliz” e “Estratégia Saúde da Família”, fundamentais para o desenvolvimento das crianças de zero a seis anos. Os dados são alarmantes: em 2023, mais de 21 mil mortes de crianças com menos de um ano foram classificadas como evitáveis. Isso exige respostas urgentes, e os Tribunais estão oferecendo diagnósticos qualificados e recomendações baseadas em evidências.
Outro exemplo emblemático vem do Estado de Rondônia. Por meio do Programa de Aprimoramento da Política de Alfabetização na Idade Certa (PAIC), o Tribunal de Contas, em parceria com os municípios, promoveu formação técnica, revisão de práticas pedagógicas e ciclos de avaliação contínua. O resultado: entre 2022 e 2023, o percentual de estudantes com aprendizado adequado no 2º ano do ensino fundamental saltou de 45% para 68% em Língua Portuguesa, e de 38% para 71% em Matemática.
Além disso, os alunos que participam do PAIC apresentam, em média, um ano a mais de aprendizado em comparação com aqueles que não integram o programa — um ganho expressivo em termos de aprendizagem e desenvolvimento humano.
Estudos estimam ainda que, se o programa for universalizado, a renda adicional ao longo da vida das 58 mil crianças beneficiadas poderá alcançar até R$ 9,9 bilhões. Esse dado demonstra, com clareza, que investir com inteligência na educação básica gera retorno econômico e social duradouro.
A atuação preventiva, pedagógica e colaborativa dos Tribunais de Contas também tem se manifestado na área previdenciária. Diante de denúncias de descontos indevidos em aposentadorias, por exemplo, a Atricon recomendou aos Tribunais de Contas a realização de auditorias nos regimes próprios de previdência de estados e municípios. Essa é uma atuação que protege os direitos dos segurados e zela pela integridade do sistema.
Essas ações mostram que o controle, quando orientado por dados, sensibilidade social e compromisso institucional, não é um entrave à boa gestão — é um caminho de transformação. É preciso superar a visão ultrapassada de um controle punitivo e desconectado da realidade. Os Tribunais de Contas estão, cada vez mais, integrados à agenda da boa governança, da transparência e da efetividade.
A sociedade brasileira espera — e tem o direito de exigir — que o gasto público produza resultados. E os Tribunais de Contas, com sua expertise técnica e sua independência funcional, têm a obrigação de garantir que as políticas públicas cumpram sua função social.
O futuro do Brasil passa pela construção de políticas sociais robustas, inclusivas e eficazes. E esse futuro depende também de um controle qualificado, sensível e comprometido com o interesse público.
Edilson Silva é conselheiro do TCE-RO e presidente da Atricon